Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 9 de março de 2019

Edmundo de Bettencourt - A Máquina Prisioneira

A máquina que tritura corpos humanos enquanto se propõe a agir por determinado intento, o qual, em última instância, é paradoxalmente determinado pelos próprios humanos: eis o dilema da criatura e de seu criador, elevado à enésima potência em razão de que a máquina, a princípio prisioneira dos desígnios humanos, dedica-se, ulteriormente, a aprisionar aqueles que com ela operam.

Presumo que o poeta tenha assistido à película “Metrópolis” (1927), do cineasta Fritz Lang, um dos expoentes do expressionismo alemão, em especial as cenas em que trabalhadores, enfileirados e de cabeça baixa, entram e saem da torre da fábrica – das quais seres humanos poderiam ser imaginados em pleno processo de transformação a linguiça (rs).

É possível que já estejamos bem perto do dia a partir do qual a máquina se proponha a criar – ou seria melhor clonar! – outros deuses com plenos poderes sobre os seus anteriores conceptores.

J.A.R. – H.C.

Edmundo de Bettencourt
(1889-1973)

A Máquina Prisioneira

A máquina acabava o dia a mastigar
e aos poucos os dentes lhe caíam
perdendo-se na espuma do ar negro,
ondulante, da fábrica.

Um desejo insubmisso
de cercar os átomos gigantes
vinha encher um braço
donde surgia um corpo
lacerado
sangrento!

e donde surgia um braço
cheio de sangue novo
que libertava a máquina!

A sorrir desdentada
a máquina adormecia...

Em: “Poemas Surdos: 1934-1940”

A perfuratriz
(Frantisek Kupka: pintor tcheco)

Referência:

BETTENCOURT, Edmundo de. A máquina prisioneira. In: __________. Poemas: 1930-1962. Lisboa, PT: Portugália, dez. 1963. p. 154-155. (Coleção ‘Poetas de Hoje’, n. 14)

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