A máquina que tritura corpos humanos enquanto se propõe a agir por
determinado intento, o qual, em última instância, é paradoxalmente determinado
pelos próprios humanos: eis o dilema da criatura e de seu criador, elevado à
enésima potência em razão de que a máquina, a princípio prisioneira dos
desígnios humanos, dedica-se, ulteriormente, a aprisionar aqueles que com ela
operam.
Presumo que o poeta tenha assistido à película “Metrópolis” (1927), do
cineasta Fritz Lang, um dos expoentes do expressionismo alemão, em especial as
cenas em que trabalhadores, enfileirados e de cabeça baixa, entram e saem da
torre da fábrica – das quais seres humanos poderiam ser imaginados em pleno
processo de transformação a linguiça (rs).
É possível que já estejamos bem perto do dia a partir do qual a máquina
se proponha a criar – ou seria melhor clonar! – outros deuses com plenos poderes
sobre os seus anteriores conceptores.
J.A.R. – H.C.
Edmundo de Bettencourt
(1889-1973)
A Máquina Prisioneira
A máquina acabava o
dia a mastigar
e aos poucos os
dentes lhe caíam
perdendo-se na espuma
do ar negro,
ondulante, da
fábrica.
Um desejo insubmisso
de cercar os átomos
gigantes
vinha encher um braço
donde surgia um corpo
lacerado
sangrento!
e donde surgia um
braço
cheio de sangue novo
que libertava a
máquina!
A sorrir desdentada
a máquina
adormecia...
Em: “Poemas Surdos: 1934-1940”
A perfuratriz
(Frantisek Kupka:
pintor tcheco)
Referência:
BETTENCOURT, Edmundo de. A máquina
prisioneira. In: __________. Poemas:
1930-1962. Lisboa, PT: Portugália, dez. 1963. p. 154-155. (Coleção ‘Poetas de
Hoje’, n. 14)
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