Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 16 de março de 2019

Mario Benedetti - Ângelus

Um poema que se retrata como um ângelus às horas derradeiras de um determinado dia do poeta uruguaio, ainda na fase inicial de sua prolífica obra. Contudo, o que dele se extrai é o espasmo, ou melhor, a melancolia imputável a uma vida dentro de um escritório, olhando as coisas lá fora, em contraste com o que ocorre bem mais perto: ordens, telefonemas e campainhas.

Impõe-se, nada obstante, o comando de não chorar por tão “burocrático” destino, pois as lágrimas são capazes de borrar as letras dos livros que se produzem. Logo, se houver chances para emoções nesse mister, devem elas estar delimitadas ao significante e significado do texto que tais obras comportam.

J.A.R. – H.C.

Mario Benedetti
(1920-2009)

Angelus

Quién me iba a decir que el destino era esto.

Ver la lluvia a través de letras invertidas,
un paredón con manchas que parecen prohombres,
el techo de los ómnibus brillantes como peces
y esa melancolía que impregna las bocinas.

Aquí no hay cielo,
aquí no hay horizonte.

Hay una mesa grande para todos los brazos
y una silla que gira cuando quiero escaparme.
Otro día se acaba y el destino era esto.

Es raro que uno tenga tiempo de verse triste:
siempre suena una orden, un teléfono, un timbre,
y claro, está prohibido llorar sobre los libros
Porque no queda bien que la tinta se corra.

En: “Poemas de la Oficina” (1953-1956)

Velho escrevendo num livro
(Dirck van Baburen: pintor holandês)

Ângelus

Quem iria me dizer que o destino era isso.

Ver a chuva através de letras invertidas,
um paredão com manchas que simbolizam próceres,
o teto dos ônibus brilhantes como peixes
e essa melancolia que impregna as buzinas.

Aqui não há céu,
aqui não há horizonte.

Há uma mesa grande para todos os braços
e uma cadeira que gira quando quero escapar.
Mais um dia se acaba e o destino era isso.

É estranho que a gente tenha tempo de se ver triste:
sempre toca uma ordem, um telefone, uma campainha,
e claro, é proibido chorar sobre os livros
porque não fica bem que a tinta se borre.

Em: “Poemas do Escritório” (1953-1956)

Referência:

BENEDETTI, Mario. Angelus / Ângelus. Tradução de Julio Luís Gehlen. In: __________. Antologia poética. Tradução de Julio Luís Gehlen. Edição bilíngue. Rio de Janeiro, RJ: Record, 1988. Em espanhol: p. 246; em português: p. 247.

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