Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 3 de março de 2019

Ivan Junqueira - São duas ou três coisas

Talvez tenha suscitado um ‘insight’ ao poeta o fato de haver assistido ao filme “Duas ou três coisas que eu sei dela” (1967), do francês Jean-Luc Godard, levando-o a escrever este poema, digo melhor, soneto – “ela” que, tendo tanto sofrido, tornou-se ainda mais bela aos olhos de Junqueira.

Se o poeta afirma que ela “naufragou”, caso adotemos o enredo do filme de Godard, é porque sucumbiu à prostituição numa sociedade que, de uma forma ou de outra, leva-a a se perder. E assim se consome como uma vela, sem qualquer consolo, a enganar o companheiro, que, por sua vez, põe-se a flertar outras garotas.

J.A.R. – H.C.

Ivan Junqueira
(1934-2014)

São duas ou três coisas

São duas ou três coisas que eu sei dela,
e nada mais além de seu perfume.
Sei que nas noites ermas ela assume
esse ar de quem flutua na janela,
como o duende fugaz que em si resume
um tempo que a ampulheta não revela:
o tempo além do tempo que só nela
navega mais que o peixe no cardume.
Sei que ela traz nos olhos esse lume
de quem sofreu e a dor tornou mais bela,
pois o naufrágio lhe infundiu aquela
vertigem que do alfanje é o próprio gume.
Sei que ela vive no halo de uma vela
e queima sem consolo, em minha cela.

Uma beldade no café
(Konstantin Razumov: pintor russo)

Referência:

JUNQUEIRA, Ivan. São duas ou três coisas. In: __________. O outro lado: poemas (1998-2006). Rio de Janeiro, RJ: Record, 2007. p. 23.

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