Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Francisco Brines - Métodos de conhecimento

Brines descreve, em cenas marcantes, o método de conhecimento da poética (ou melhor, de ‘sua’ poética), uma espécie de libação capaz de levar às últimas consequências a experiência de expor ao mundo o que de mais fundo há no ser humano, em incursão que, primando pelo descortino, muito se aproxima do limiar da morte.

O poema, claro, faz ressurgir imagens que se assemelham às do poema de Byron – “Lines Inscribed Upon a Cup Formed from a Skull” (“Uma taça feita de um crânio humano”) –, embora com muito mais drasticidade, dadas as emoções que afloram à mente do espanhol, agora já reconfiguradas pelo pungente exercício intelectivo.

J.A.R. – H.C.

Francisco Brines
(n. 1932)

Métodos de conocimiento

En el cansancio de la noche,
penetrando la más oscura música,
he recobrado tras mis ojos ciegos
el frágil testimonio de una escena remota.

Olía el mar, y el alba era ladrona
de los cielos; tornaba fantasmales
las luces de la casa.
Los comensales eran jóvenes, y ahítos
y sin sed, en el naufragio del banquete,
buscaban la ebriedad
y el pintado cortejo de alegría. El vino
desbordaba las copas, sonrosaba
la acalorada piel, enrojecía el suelo.
En generoso amor sus pechos desataron
a la furiosa luz, la carne, la palabra,
y no les importaba después no recordar.
Algún puñal fallido buscaba un corazón.

Yo alcé también mi copa, la más leve,
hasta los bordes llena de cenizas:
huesos conjuntos de halcón y ballestero,
y allí bebí, sin sed, dos experiencias muertas.
Mi corazón se serenó, y un inocente niño
me cubrió la cabeza con gorro de demente.

Fijé mis ojos lúcidos
en quien supo escoger con tino más certero:
aquel que en un rincón, dando a todo la espalda,
llevó a sus frescos labios
una taza de barro con veneno.
Y brindando a la nada
se apresuró en las sombras.

O Retorno de Orestes
(Anton von Maron: pintor austríaco)

Métodos de conhecimento

No cansaço da noite,
penetrando a mais sombria música,
recuperei por trás de meus olhos cegos
o frágil testemunho de uma cena remota.

O mar recendia, e a aurora era a ladra
dos céus; tornava fantasmais
as luzes da casa.
Jovens eram os comensais, e saciados
e sem sede; no naufrágio do banquete,
buscavam a ebriedade
e o cortejo variegado da alegria. O vinho
transbordava as taças, corava
a acalorada pele, avermelhava o solo.
Em generoso amor, eles desataram os peitos,
a carne, a palavra à furiosa luz,
e não lhes importava não recordar depois.
Algum punhal sem êxito um coração buscava.

Levantei também minha taça, a mais leve,
cheia de cinzas até as bordas:
ossos conjuntos de falcão e de arqueiro,
e ali bebi, sem sede, duas experiências mortas.
Meu coração serenou, e um inocente menino
cobriu-me a cabeça com gorro de demente.

Fixei meus olhos lúcidos
em quem soube escolher com tino mais certeiro:
aquele que, num canto, dando as costas para tudo,
levou a seus frescos lábios
uma chávena de barro com veneno.
E sem nada brindar
se precipitou nas sombras.

Referência:

BRINES, Francisco. Métodos de conocimiento. In: __________. Antología poética. Selección y prólogo de José Olivio Jiménez. Madrid, ES: Alianza Editorial, 1986. p. 116-117. (“Sección: Literatura”; “El Libro de Bolsillo”; LB 1190)

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