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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Silva Kaputikian - Fé

A poetisa armênia afirma que a fé é como uma célula que pertence ao corpo humano desde tempos imemoriais, quando ainda vivíamos nas cavernas e tínhamos o hábito de gravar as cenas de animais com quem convivíamos ou que temíamos – célula essa de que a moderna fisiologia não é capaz de nos dar conta, ou melhor, de reconhecê-la em nossa estrutura física.

Fé religiosa ou não, pouco importa: esclarece Silva Kaputikian que pode o homem morrer antes mesmo que o coração feneça, pois tal célula é que mantém a coragem, a fortaleza da “anima” – bem mais que o pão, a água ou o ar – e, se combinada com a esperança, nada é capaz de superar a constância dos propósitos.

J.A.R. – H.C.

Silva Kaputikian
(1919-2006)


São falhos os textos de Fisiologia.
Desde as eras primitivas,
quando o homem primitivo se chamou homem,
num refolho de seu corpo informe,
junto dos outros órgãos
de que as feras também dispõem,
junto do coração
destinado a ativar sangue nas veias,
junto dos pulmões
criados para a respiração,
desde tempos imemoriais,
quando ele, aquele homem,
assustado pelos raios incandescentes
que riscavam o céu,
com o filho estreitado contra o peito,
os olhos levantou amedrontados
para o fundo do céu misterioso,
num refolho de seu corpo informe
formou-se e entrou a funcionar
uma célula anônima,
um órgão desconhecido
destinado para a Fé.

São falhos os textos de Fisiologia.
Não foi só o coração,
pelo seu palpitar por milhares de séculos,
que se desenvolveu, mudou, aperfeiçoou;
também a célula da fé
percorreu secular adestramento.
O homem, esse medroso,
que sob os vendavais, os ralos e relâmpagos,
punha o rosto no chão
implorando amparo aos Totens;
que gravava nas rochas sua história milenar;
esse homem dos tempos do deus Amon,
do fogo sagrado pagão,
e dos deuses da Hélade,
desde o amarelo Buda até o Cristo,
desenvolveu-se com os séculos,
alcançou com os séculos a altura
da alma mística;
acostumou-se a conviver com a Fé
acostumou-se a crer...

Este homem!
Ele pode morrer
antes que morra o coração.
Deem-lhe, a mais do pão, do ar, da água,
muita fé.
Para que possa conservar-se vivo,
é mister que funcione a célula da Fé...

(Mahmood Hayat: pintor paquistanês)

Referência:

KAPUTIKIAN, Silva. Fé. Provável tradução de Yessai Kerouzian. In: KEROUZIAN, Yessai Ohannes (Organizador e provável tradutor). A nova poesia armênia. [São Paulo (SP)?]: [s.ed.]; [1982?]. p. 200-201. (Série ‘Armênia’; nº 8).

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