A poetisa armênia afirma que a fé é como uma célula que pertence ao
corpo humano desde tempos imemoriais, quando ainda vivíamos nas cavernas e
tínhamos o hábito de gravar as cenas de animais com quem convivíamos ou que
temíamos – célula essa de que a moderna fisiologia não é capaz de nos dar
conta, ou melhor, de reconhecê-la em nossa estrutura física.
Fé religiosa ou não, pouco importa: esclarece Silva Kaputikian que pode
o homem morrer antes mesmo que o coração feneça, pois tal célula é que mantém a
coragem, a fortaleza da “anima” – bem mais que o pão, a água ou o ar – e, se combinada
com a esperança, nada é capaz de superar a constância dos propósitos.
J.A.R. – H.C.
Silva Kaputikian
(1919-2006)
Fé
São falhos os textos
de Fisiologia.
Desde as eras
primitivas,
quando o homem
primitivo se chamou homem,
num refolho de seu
corpo informe,
junto dos outros órgãos
de que as feras também
dispõem,
junto do coração
destinado a ativar
sangue nas veias,
junto dos pulmões
criados para a
respiração,
desde tempos
imemoriais,
quando ele, aquele
homem,
assustado pelos raios
incandescentes
que riscavam o céu,
com o filho
estreitado contra o peito,
os olhos levantou
amedrontados
para o fundo do céu
misterioso,
num refolho de seu
corpo informe
formou-se e entrou a
funcionar
uma célula anônima,
um órgão desconhecido
destinado para a Fé.
São falhos os textos
de Fisiologia.
Não foi só o coração,
pelo seu palpitar por
milhares de séculos,
que se desenvolveu,
mudou, aperfeiçoou;
também a célula da fé
percorreu secular
adestramento.
O homem, esse
medroso,
que sob os vendavais,
os ralos e relâmpagos,
punha o rosto no chão
implorando amparo aos
Totens;
que gravava nas
rochas sua história milenar;
esse homem dos tempos
do deus Amon,
do fogo sagrado pagão,
e dos deuses da Hélade,
desde o amarelo Buda
até o Cristo,
desenvolveu-se com os
séculos,
alcançou com os séculos
a altura
da alma mística;
acostumou-se a
conviver com a Fé
acostumou-se a
crer...
Este homem!
Ele pode morrer
antes que morra o
coração.
Deem-lhe, a mais do pão,
do ar, da água,
muita fé.
Para que possa
conservar-se vivo,
é mister que funcione
a célula da Fé...
Fé
(Mahmood Hayat:
pintor paquistanês)
Referência:
KAPUTIKIAN, Silva. Fé. Provável
tradução de Yessai Kerouzian. In: KEROUZIAN, Yessai Ohannes (Organizador e
provável tradutor). A nova poesia
armênia. [São Paulo (SP)?]: [s.ed.]; [1982?]. p. 200-201. (Série ‘Armênia’;
nº 8).
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