Distintamente do enfoque que Rilke
adota para falar dos espelhos nesta
postagem, Borges os aborda num contexto à beira do paradoxal, haja vista
que deles fala apenas de memória, tendo em conta a cegueira de que foi
acometido, a impedir-lhe que lobrigasse, em idade avançada, os efeitos da
duplicação, aliás, tema tantas vezes evocado em suas obras.
Espelhos são coisas estranhas, segundo
Borges, motivo por que, em culturas distintas, assumem simbolismos os mais
díspares: entre os escoceses, por exemplo, há a superstição de que, quando um
homem vê a si próprio, aproxima-se da morte, ou melhor, seu verdadeiro “eu” vem
buscá-lo de volta. Se assim for, quem estará aqui redigindo estas palavras, que
não sendo o “eu” verdadeiro, também não é a contraparte que ainda não veio me
buscar, uma vez que tenho o costume de dar umas miradas todas as manhãs no
grande espelho à saída?! (rs).
J.A.R. – H.C.
Jorge Luis Borges
(1899-1986)
Al Espejo
¿Por qué persistes,
incesante espejo?
¿Por qué duplicas,
misterioso hermano,
el movimiento de mi
mano?
¿Por qué en la sombra
el súbito reflejo?
Eres el otro yo de
que habla el griego
y acechas desde
siempre. En la tersura
del agua incierta o
del cristal que dura
me buscas y es inútil
estar ciego.
El hecho de no verte
y de saberte
te agrega horror,
cosa de magia que osas
multiplicar la cifra
de las cosas
que somos y que
abarcan nuestra suerte.
Cuando esté muerto,
copiarás a otro
y luego a otro, a
otro, a otro, a otro…
En: “El Oro de los Tigres” (1972)
Vênus em frente ao espelho
(Peter Paul Rubens:
pintor flamengo)
Ao Espelho
Por que persistes, incessante
espelho?
Por que duplicas,
misterioso irmão,
o movimento de minha
mão?
Por que na sombra o súbito
reflexo?
És o outro eu de que
fala o grego
e espreitas desde
sempre. E na lisura
da água incerta ou do
cristal que dura
me buscas e é inútil
eu estar cego.
O fato de não ver-te
e de saber-te
te agrega horror,
coisa de magia que ousas
multiplicar a cifra
das coisas
que somos e que
abarcam nossa sorte.
Quando estiver
morrer, copiarás outro,
depois outro, e
outro, e outro, e outro…
Em: “O Ouro dos Tigres” (1972)
Referência:
BORGES, Jorge Luis. Al espejo. In:
__________. In: __________. Obras
completas: 1923-1949. El oro de los tigres. Tomo I. 12. impresión. Buenos
Aires, AR: Emecé, octubre de 2001. p. 1134.
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