Tudo são evanescências, fugacidades eróticas neste belo poema da mineira
de Catagueses: em palavras que parecem esboçar, ludicamente, um desejo com afã
de espiritualidade, Lina emprega linguagem tão ativa quanto sensual, transferindo,
talvez, sua própria energia e excitação aos ritmos cinéticos plasmados nos versos.
Ou seria apenas a expressão evasiva de uma sensualidade austera, assim
como ocorre em alguns poemas dos norte-americanos Walt Whitman e Edna St.
Vincent Millay, ou mesmo – mais provocativamente de minha parte – do inglês John
Donne? Se houver homologia entre expressões verbais e pictóricas, diria que o
poema de Lina corresponde a um quadro impressionista dos melhores, mais
sugerindo do que sulcando firme as linhas da escrita.
J.A.R. – H.C.
Lina Tâmega Peixoto
(n. 1931)
Vórtice
E para se mostrar em
sua nudez
(se era necessário)
o universo nasceu do
que era paragem
da criatura em árido
campo.
Aderido ao coração
palpitava o amor
em outro amor se
movendo,
de tal modo
emaranhado na alma e no ventre
que trincava no
delírio
o indiviso mundo.
Púbis e ritual
ungidos
aspergiam leite nos
lábios em sede
e dobravam em
sussurros a nuca
com as mordidas das
estrelas.
Por serem mortais
mais se
desentranhavam em chama
e por serem penumbra
mais se esbraseavam
na olímpica moldura da cama.
Aproxima-se da retina
o que é talo de
ternura
gotejando névoa,
e no amado pensamento
pressinto
o que acorda o êxtase
do horizonte.
A exaustão do gesto
suga os peixes
e em outro aquário
eles nadam
a dissoluta história
das águas,
hibernadas entre as
coxas.
Ah! Que amor concluso
vigia meu grande e
contínuo sono,
em luz de candeia
inventando outros
sonos.
E que exumação dos
sentidos não se escoa
dos cochichos e dos
gritos
em carícias de ouro!
Ah! Que abraços,
muros de promessas,
não me dormem a carne
e a réstia fina da quase noite.
O corpo mercúrio de
um fim eterno
se derrama no lume
desta febre
sumo de loucura
penugem das cores
suor da ilharga
flor em cúpula.
Dorme o anjo
no gume divino de
suas asas.
Em: “Entretempo” (1983)
Mar de sensações
(Leonid Afremov:
pintor israelense)
Referência:
PEIXOTO, Lina Tâmega. Vórtice. In:
__________. 50 poemas escolhidos pelo
autor. Rio de Janeiro, RJ: Edições Galo Branco, 2008. p. 31-32. (Coleção
“50 poemas escolhidos pelo autor”; v. 39.
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