Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Lina Tâmega Peixoto - Vórtice

Tudo são evanescências, fugacidades eróticas neste belo poema da mineira de Catagueses: em palavras que parecem esboçar, ludicamente, um desejo com afã de espiritualidade, Lina emprega linguagem tão ativa quanto sensual, transferindo, talvez, sua própria energia e excitação aos ritmos cinéticos plasmados nos versos.

Ou seria apenas a expressão evasiva de uma sensualidade austera, assim como ocorre em alguns poemas dos norte-americanos Walt Whitman e Edna St. Vincent Millay, ou mesmo – mais provocativamente de minha parte – do inglês John Donne? Se houver homologia entre expressões verbais e pictóricas, diria que o poema de Lina corresponde a um quadro impressionista dos melhores, mais sugerindo do que sulcando firme as linhas da escrita.

J.A.R. – H.C.

Lina Tâmega Peixoto
(n. 1931)

Vórtice

E para se mostrar em sua nudez
(se era necessário)
o universo nasceu do que era paragem
da criatura em árido campo.
Aderido ao coração palpitava o amor
em outro amor se movendo,
de tal modo emaranhado na alma e no ventre
que trincava no delírio
o indiviso mundo.
Púbis e ritual ungidos
aspergiam leite nos lábios em sede
e dobravam em sussurros a nuca
com as mordidas das estrelas.
Por serem mortais
mais se desentranhavam em chama
e por serem penumbra
mais se esbraseavam na olímpica moldura da cama.

Aproxima-se da retina
o que é talo de ternura
gotejando névoa,
e no amado pensamento pressinto
o que acorda o êxtase do horizonte.
A exaustão do gesto suga os peixes
e em outro aquário eles nadam
a dissoluta história das águas,
hibernadas entre as coxas.

Ah! Que amor concluso
vigia meu grande e contínuo sono,
em luz de candeia
inventando outros sonos.
E que exumação dos sentidos não se escoa
dos cochichos e dos gritos
em carícias de ouro!
Ah! Que abraços, muros de promessas,
não me dormem a carne e a réstia fina da quase noite.

O corpo mercúrio de um fim eterno
se derrama no lume desta febre
sumo de loucura
penugem das cores
suor da ilharga
flor em cúpula.

Dorme o anjo
no gume divino de suas asas.

Em: “Entretempo” (1983)

Mar de sensações
(Leonid Afremov: pintor israelense)

Referência:

PEIXOTO, Lina Tâmega. Vórtice. In: __________. 50 poemas escolhidos pelo autor. Rio de Janeiro, RJ: Edições Galo Branco, 2008. p. 31-32. (Coleção “50 poemas escolhidos pelo autor”; v. 39.

Nenhum comentário:

Postar um comentário