Já há algumas décadas, o poeta paulista imaginava um mundo tomado pelos
robôs, que cumpririam as mais comezinhas atividades humanas, mormente as que despendessem
esforços acentuados, embora não só: tudo seria substabelecido às máquinas –
raciocínio, “animus”, inclusive a tarefa a que mais se dedica o vate, ou seja,
redigir poemas.
E veja, leitor, que o arremate do poema tangencia o limite do
sarcástico: já não teríamos mais a necessidade de orar ao Eterno que nos criou.
O criador – Deus – criou a criatura – o homem – que, por sua vez, criou a
máquina, para, em incursão circular – louvar o criador primeiro! Temos aí uma
antiapologia do ócio! (rs).
J.A.R. – H.C.
Cassiano Ricardo
(1895-1974)
Ladainha
Por que o raciocínio,
os músculos, os
ossos?
A automação, ócio
dourado.
O cérebro eletrônico,
o músculo
mecânico
mais fáceis que um
sorriso.
Por que o coração?
O de metal não
tornará o homem
mais cordial,
dando-lhe um ritmo
extracorporal?
Por que levantar o
braço
para colher o fruto?
A máquina o fará por
nós.
Por que labutar no
campo, na cidade?
A máquina o fará por
nós.
Por que pensar,
imaginar?
A máquina o fará por
nós.
Por que fazer um poema?
A máquina o fará por
nós.
Por que subir a
escada de Jacó?
A máquina o fará por
nós.
Ó máquina, orai por
nós.
Robô: pintando um autorretrato
(Johan Scherft:
artista holandês)
Referência:
RICARDO, Cassiano. Ladainha. In: SEABRA,
José Augusto (Organização e Estudo Introdutório). Poetas portugueses y brasileños: de los simbolistas a los
modernistas. Edición bilíngüe: portugués x español. Buenos Aires: Instituto
Camões; Brasília: Thesaurus, 2002. p. 344.
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