Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 24 de novembro de 2018

Cassiano Ricardo - Ladainha

Já há algumas décadas, o poeta paulista imaginava um mundo tomado pelos robôs, que cumpririam as mais comezinhas atividades humanas, mormente as que despendessem esforços acentuados, embora não só: tudo seria substabelecido às máquinas – raciocínio, “animus”, inclusive a tarefa a que mais se dedica o vate, ou seja, redigir poemas.

E veja, leitor, que o arremate do poema tangencia o limite do sarcástico: já não teríamos mais a necessidade de orar ao Eterno que nos criou. O criador – Deus – criou a criatura – o homem – que, por sua vez, criou a máquina, para, em incursão circular – louvar o criador primeiro! Temos aí uma antiapologia do ócio! (rs).

J.A.R. – H.C.

Cassiano Ricardo
(1895-1974)

Ladainha

Por que o raciocínio,
os músculos, os ossos?
A automação, ócio dourado.
O cérebro eletrônico, o músculo
mecânico
mais fáceis que um sorriso.
Por que o coração?
O de metal não tornará o homem
mais cordial,
dando-lhe um ritmo extracorporal?

Por que levantar o braço
para colher o fruto?
A máquina o fará por nós.
Por que labutar no campo, na cidade?
A máquina o fará por nós.
Por que pensar, imaginar?
A máquina o fará por nós.
Por que fazer um poema?
A máquina o fará por nós.
Por que subir a escada de Jacó?
A máquina o fará por nós.

Ó máquina, orai por nós.

Robô: pintando um autorretrato
(Johan Scherft: artista holandês)

Referência:

RICARDO, Cassiano. Ladainha. In: SEABRA, José Augusto (Organização e Estudo Introdutório). Poetas portugueses y brasileños: de los simbolistas a los modernistas. Edición bilíngüe: portugués x español. Buenos Aires: Instituto Camões; Brasília: Thesaurus, 2002. p. 344.

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