Embora o poeta já desconfiasse há algum tempo, apenas no momento em que
redigiu este poema foi que concluiu que tudo quanto existe no mundo se repete
com desenvoltura enfadonha, inclusive – enfatize-se – as formas fixas costumeiramente
empregadas para fazer poemas: sonetos, gazéis, virelais, sextinas e rondós.
Mas a par dessa planura repetitiva, Drummond vê diferenças substanciais
entre os homens, bichos ou coisas – neste caso, suponho que enquanto vivas,
seres sencientes a ostentarem o seu estado natural: “todo ser humano é um
estranho ímpar”. Mas perceba-se a diferença, quando o poeta afirma algo sobre
as mulheres: “Todas as mulheres ‘que andam na moda’ são iguais” (acentos meus).
De outra parte, conheço mulheres que, para contrabalançar, reiteram aos quatro
ventos, também com indistinção: “Todos os homens ‘em matéria de sexo’ são
iguais”!...
J.A.R. – H.C.
Carlos Drummond de Andrade
(1902-1987)
Igual - Desigual
Eu desconfiava:
todas as histórias em
quadrinho são iguais.
Todos os filmes
norte-americanos são iguais.
Todos os filmes de
todos os países são iguais.
Todos os best-sellers
são iguais.
Todos os campeonatos
nacionais e internacionais
de futebol são
iguais.
Todas as mulheres que
andam na moda
são iguais.
Todos os partidos
políticos
são iguais.
Todas as experiências
de sexo
são iguais.
Todos os sonetos,
gazéis, virelais, sextinas e rondós são
iguais
e todos, todos
os poemas em verso
livre são enfadonhamente iguais.
Todas as guerras do
mundo são iguais.
Todas as fomes são
iguais.
Todos os amores,
iguais, iguais, iguais.
Iguais todos os
rompimentos.
A morte é
igualíssima.
Todas as criações da
natureza são iguais.
Todas as ações,
cruéis, piedosas ou indiferentes, são
iguais.
Contudo, o homem não
é igual a nenhum outro
homem,
bicho ou coisa.
Ninguém é igual a
ninguém.
Todo ser humano é um
estranho
ímpar.
Teseu e Ariadne
(Yevgenia Nayberg:
artista ucraniana)
Referência:
ANDRADE, Carlos Drummond de. Igual -
Desigual. In: __________. Literatura
comentada. 2. ed. São Paulo, SP: Nova Cultural, 1988. p. 144-145.
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