Dedicado a Peter Salus, um estudioso da linguística, assim como
cientista que investigou linguagens para computador, este poema de Auden empenha-se
em oferecer contrastes entre a linguagem humana e a linguagem natural não
humana, inclusive à atinente ao reino mineral, o qual, para o autor inglês, de
forma alguma se encontra imerso num mutismo absoluto.
Em tese, a linguística natural pode mostrar-se superior à nossa língua
falada. Afinal, animais da mesma espécie são capazes, em princípio, de comunicar-se
com outros animais da mesma espécie, pouco importando o lugar onde se encontrem
sobre a face da terra. Por igual, plantas e até mesmo minerais interagem com o
mundo exterior de uma forma mais ou menos abrangente.
No caso humano, o fato de a linguagem ter-se desenvolvido numa amplitude
de idiomas e dialetos, tem o pendor a gerar algumas barreiras inoportunas à
comunicação, muito embora, hoje, com a disseminação do acesso à internet, elas
tendam a se atenuar, imagino.
J.A.R. – H.C.
W. H. Auden
(1907-1973)
Natural Linguistics
(for Peter Salus)
Every created thing
has ways ofpronouncing its ownhood:
basic and used by
ali, even the mineral tribes,
is the hieroglyphical
koine of visual appearance
which, though it
lacks the verb, is, when compared with our own
heaviest lexicons, so
much richer and subtler in shape-nouns,
color-adjectives and
apt prepositions of place.
Verbs first appear
with the flowers who utter imperative odors
which, with their
taste for sweets, insects are bound to obey:
motive, too, in the
eyes of beasts is the language of gesture
(urban life has,
alas, sadly impoverished ours),
signals o f
interrogation, friendship, threat and appeasement,
instantly taken in,
seldom, if ever, misread.
All who have managed
to break through the primai barrier of Silence
into an audible world
fmd an indicative AM
though some
carnivores, leaving messages written in urine,
use a preterite WAS,
none can conceive of a WILL,
nor have they ever
made subjunctive or negative statements,
even cryptics whose
lives hang upon telling a fib.
Rage and grief they
can sing, not self-reproach or repentance,
nor have they legends
to tell, though their respect for a rite
is more pious than
ours, for a complex code of releasers
trains th em to walk
in the ways which their ur-ancestors trod.
(Some o f these codes
remain mysteries to us: for instance,
fish who travei in
huge loveless anonymous turbs,
what is it keeps them
in line? Our single certainty is that
minnows deprived of
their fore-brains go it gladly alone.)
Since in their
circles it ’s not good form to say anything novel,
none ever stutter on er, guddling in vain for a word,
none are at loss for
an answer: none, it seems, are bilingual,
but, if they cannot
translate, that is the ransom they pay
for just doing their
thing, not greedily trying to publish
all the world as we
do into our picture at once.
If they have never
laughed, at least they have never talked drivel,
never tortured their
own kind for a point of belief,
never, marching to
war, inflamed by fortissimo music,
hundreds of miles
from home died for a verbal whereas.
‘Dumb’ we may call
them but, surely, our poets are right in assuming
all would prefer that
they were rhetorized at than about.
June 1969
A Arte de Voar
(Jaroslaw Jasnikowski:
pintor polonês)
Linguística Natural
(para Peter Salus)
Toda coisa criada tem
modos de enunciar o seu próprio ser:
básica e usada por
todos, mesmo as tribos minerais,
é a koiné hieroglífica de aparência visual
a qual, lhe falte
embora o verbo, revela-se, em comparação com nossos
léxicos mais
massudos, tão mais e rica e sutil em nomes de feitios,
adjetivos de cor e
argutas preposições de lugar.
Os verbos apareceram
primeiro com as flores que articulam cheiros
imperativos a que os
insetos, loucos por olores, têm de obedecer;
estímulo é também,
aos olhos dos bichos, a linguagem do gesto
(a vida urbana, ai de
nós, calamitosamente empobreceu a nossa),
sinais de
interrogação, de amizade, ameaça, aplacamento,
entendidos de pronto,
raramente ou nunca mal interpretados.
Todos quantos
lograram romper a primeva barreira de Silêncio
até um mundo audível,
encontram um ESTÁ ou SOU indicativo:
conquanto alguns
carnívoros, deixando mensagens escritas com urina,
usem um pretérito
ESTIVE, nenhum pode conceber um HEI-DE,
tampouco fizeram
jamais um enunciado subjuntivo ou negativo,
nem mesmo crípticos
cuja vida depende de impingir lerias.
Ira e desgosto, eles
os podem cantar, não autocensura ou arrependimento,
e não têm lendas que
narrem, embora seu respeito pelo rito seja
mais piedoso que o
nosso, pois um complexo código acionador
adestra-os a andar do
mesmo modo que seus avós mais remotos.
(Alguns desses
códigos inda nos são mistério: por exemplo,
peixes que viajam em
turbas desamorosas, anônimas, enormes,
o que os mantém assim
tão perfilados? Nossa única certeza é que vairões
privados de lobo
frontal, vão alegremente numa roda viva.)
Como, em círculos que
tais, não fica bem dizer nada de novo,
ninguém gagueja um né, na inútil busca da palavra certa;
a ninguém faltam
respostas; e ninguém é bilíngue, ao que parece,
mas, se não podem
traduzir, é o preço que pagaram
por apenas fazer
coisas, sem nenhuma tentativa sôfrega de pôr
logo o mundo inteiro
numa imagem, como nós.
Se nunca riram, pelo
menos não disseram nunca baboseiras,
não torturaram nunca
os semelhantes por questões de fé,
nunca, marchando para
a guerra, inflamados por música em fortíssimo,
morreram a milhares
de milhas do lar por um verbal considerando.
‘Estúpidos’, podemos
chamar-lhes, mas nossos poetas estão certos em supor
que todos preferem
seja a retórica não sobre eles mas com eles.
Junho 1969
Referência:
AUDEN, W. H. Natural linguistics / Linguística natural. Tradução de José Paulo Paes. In: __________. Poemas. Seleção de José Moura Jr. Tradução e introdução de José Paulo Paes e João Moura Jr. Edição bilíngue. 1. reimp. São Paulo, SP: Companhia das Letras. 1986. Em inglês: p. 172 e 174; em português: p. 173 e 175.
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