Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

W. H. Auden - Linguística Natural

Dedicado a Peter Salus, um estudioso da linguística, assim como cientista que investigou linguagens para computador, este poema de Auden empenha-se em oferecer contrastes entre a linguagem humana e a linguagem natural não humana, inclusive à atinente ao reino mineral, o qual, para o autor inglês, de forma alguma se encontra imerso num mutismo absoluto.

Em tese, a linguística natural pode mostrar-se superior à nossa língua falada. Afinal, animais da mesma espécie são capazes, em princípio, de comunicar-se com outros animais da mesma espécie, pouco importando o lugar onde se encontrem sobre a face da terra. Por igual, plantas e até mesmo minerais interagem com o mundo exterior de uma forma mais ou menos abrangente.

No caso humano, o fato de a linguagem ter-se desenvolvido numa amplitude de idiomas e dialetos, tem o pendor a gerar algumas barreiras inoportunas à comunicação, muito embora, hoje, com a disseminação do acesso à internet, elas tendam a se atenuar, imagino.

J.A.R. – H.C.

W. H. Auden
(1907-1973)

Natural Linguistics

(for Peter Salus)

Every created thing has ways ofpronouncing its ownhood:
basic and used by ali, even the mineral tribes,
is the hieroglyphical koine of visual appearance
which, though it lacks the verb, is, when compared with our own
heaviest lexicons, so much richer and subtler in shape-nouns,
color-adjectives and apt prepositions of place.
Verbs first appear with the flowers who utter imperative odors
which, with their taste for sweets, insects are bound to obey:
motive, too, in the eyes of beasts is the language of gesture
(urban life has, alas, sadly impoverished ours),
signals o f interrogation, friendship, threat and appeasement,
instantly taken in, seldom, if ever, misread.
All who have managed to break through the primai barrier of Silence
into an audible world fmd an indicative AM
though some carnivores, leaving messages written in urine,
use a preterite WAS, none can conceive of a WILL,
nor have they ever made subjunctive or negative statements,
even cryptics whose lives hang upon telling a fib.
Rage and grief they can sing, not self-reproach or repentance,
nor have they legends to tell, though their respect for a rite
is more pious than ours, for a complex code of releasers
trains th em to walk in the ways which their ur-ancestors trod.
(Some o f these codes remain mysteries to us: for instance,
fish who travei in huge loveless anonymous turbs,
what is it keeps them in line? Our single certainty is that
minnows deprived of their fore-brains go it gladly alone.)
Since in their circles it ’s not good form to say anything novel,
none ever stutter on er, guddling in vain for a word,
none are at loss for an answer: none, it seems, are bilingual,
but, if they cannot translate, that is the ransom they pay
for just doing their thing, not greedily trying to publish
all the world as we do into our picture at once.
If they have never laughed, at least they have never talked drivel,
never tortured their own kind for a point of belief,
never, marching to war, inflamed by fortissimo music,
hundreds of miles from home died for a verbal whereas.

‘Dumb’ we may call them but, surely, our poets are right in assuming
all would prefer that they were rhetorized at than about.

June 1969

A Arte de Voar
(Jaroslaw Jasnikowski: pintor polonês)

Linguística Natural

(para Peter Salus)

Toda coisa criada tem modos de enunciar o seu próprio ser:
básica e usada por todos, mesmo as tribos minerais,
é a koiné hieroglífica de aparência visual
a qual, lhe falte embora o verbo, revela-se, em comparação com nossos
léxicos mais massudos, tão mais e rica e sutil em nomes de feitios,
adjetivos de cor e argutas preposições de lugar.
Os verbos apareceram primeiro com as flores que articulam cheiros
imperativos a que os insetos, loucos por olores, têm de obedecer;
estímulo é também, aos olhos dos bichos, a linguagem do gesto
(a vida urbana, ai de nós, calamitosamente empobreceu a nossa),
sinais de interrogação, de amizade, ameaça, aplacamento,
entendidos de pronto, raramente ou nunca mal interpretados.
Todos quantos lograram romper a primeva barreira de Silêncio
até um mundo audível, encontram um ESTÁ ou SOU indicativo:
conquanto alguns carnívoros, deixando mensagens escritas com urina,
usem um pretérito ESTIVE, nenhum pode conceber um HEI-DE,
tampouco fizeram jamais um enunciado subjuntivo ou negativo,
nem mesmo crípticos cuja vida depende de impingir lerias.
Ira e desgosto, eles os podem cantar, não autocensura ou arrependimento,
e não têm lendas que narrem, embora seu respeito pelo rito seja
mais piedoso que o nosso, pois um complexo código acionador
adestra-os a andar do mesmo modo que seus avós mais remotos.
(Alguns desses códigos inda nos são mistério: por exemplo,
peixes que viajam em turbas desamorosas, anônimas, enormes,
o que os mantém assim tão perfilados? Nossa única certeza é que vairões
privados de lobo frontal, vão alegremente numa roda viva.)
Como, em círculos que tais, não fica bem dizer nada de novo,
ninguém gagueja um , na inútil busca da palavra certa;
a ninguém faltam respostas; e ninguém é bilíngue, ao que parece,
mas, se não podem traduzir, é o preço que pagaram
por apenas fazer coisas, sem nenhuma tentativa sôfrega de pôr
logo o mundo inteiro numa imagem, como nós.
Se nunca riram, pelo menos não disseram nunca baboseiras,
não torturaram nunca os semelhantes por questões de fé,
nunca, marchando para a guerra, inflamados por música em fortíssimo,
morreram a milhares de milhas do lar por um verbal considerando.

Estúpidos, podemos chamar-lhes, mas nossos poetas estão certos em supor
que todos preferem seja a retórica não sobre eles mas com eles.

Junho 1969

Referência:

AUDEN, W. H. Natural linguistics / Linguística natural. Tradução de José Paulo Paes. In: __________. Poemas. Seleção de José Moura Jr. Tradução e introdução de José Paulo Paes e João Moura Jr. Edição bilíngue. 1. reimp. São Paulo, SP: Companhia das Letras. 1986. Em inglês: p. 172 e 174; em português: p. 173 e 175.

Nenhum comentário:

Postar um comentário