Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Augusto Gil - Balada da Neve

Este poema, que originalmente foi publicado na obra “Luar de Janeiro” (1910) do poeta português, entra inopinadamente em pleno dezembro, neste blog, no rol de poemas que dizem respeito à quadra natalina, haja vista a sua temática dedicada à intima relação entre o cair da neve e as crianças à volta.

Mas os miúdos, no caso, não estão a brincar, como se poderia precipitadamente aventar, senão a sofrer por caminharem sobre a neve com os pés descalços e, consequentemente, exporem-se à dor: tal é o motivo da turbação que tomou conta do poeta...

J.A.R. – H.C.

Augusto Gil
(1873-1929)

Balada da Neve

Batem leve, levemente,
Como quem chama por mim...
Será chuva? Será gente?
Gente não é certamente
E a chuva não bate assim...

É talvez a ventania;
Mas há pouco, há poucochinho,
Nem uma agulha bulia
Na quieta melancolia
Dos pinheiros do caminho…

Quem bate assim levemente,
Com tão estranha leveza,
Que mal se ouve, mal se sente?...
Não é chuva, nem é gente,
Nem é vento, com certeza.

Fui ver. A neve caía
Do azul cinzento do céu,
Branca e leve, branca e fria…
– Há quanto tempo a não via!
E que saudades, Deus meu!

Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e, quando passa,
Os passos imprime e traça
Na brancura do caminho…

Fico olhando esses sinais
Da pobre gente que avança,
E noto, por entre os mais,
Os traços miniaturais
Duns pezitos de criança…

E descalcinhos, doridos…
A neve deixa inda vê-los,
Primeiro bem definidos,
– Depois em sulcos compridos,
Porque não podia erguê-los!…

Que quem já é pecador
Sofra tormentos... enfim!...
Mas as crianças, Senhor,
porque lhes dais tanta dor?!…
Por que padecem assim?!…

E uma infinita tristeza,
Uma funda turbação
Entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na natureza...
– E cai no meu coração.

Aldeia sob a Neve
(Jim Mitchell: cartunista norte-americano)

Referência:

GIL, Augusto. Balada da neve. In: __________. Augusto Gil: prosa e verso. Antologia organizada por Agostinho de Campos. 2. ed.. Lisboa, PT: Livraria Bertrand, 1923. p. 51-54. (‘Antologia Portuguesa’)


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