Este poema, que originalmente foi publicado na obra “Luar de Janeiro”
(1910) do poeta português, entra inopinadamente em pleno dezembro, neste blog, no
rol de poemas que dizem respeito à quadra natalina, haja vista a sua temática
dedicada à intima relação entre o cair da neve e as crianças à volta.
Mas os miúdos, no caso, não estão a brincar, como se poderia
precipitadamente aventar, senão a sofrer por caminharem sobre a neve com os pés
descalços e, consequentemente, exporem-se à dor: tal é o motivo da turbação que
tomou conta do poeta...
J.A.R. – H.C.
Augusto Gil
(1873-1929)
Balada da Neve
Batem leve,
levemente,
Como quem chama por
mim...
Será chuva? Será
gente?
Gente não é
certamente
E a chuva não bate
assim...
É talvez a ventania;
Mas há pouco, há
poucochinho,
Nem uma agulha bulia
Na quieta melancolia
Dos pinheiros do
caminho…
Quem bate assim
levemente,
Com tão estranha
leveza,
Que mal se ouve, mal
se sente?...
Não é chuva, nem é
gente,
Nem é vento, com
certeza.
Fui ver. A neve caía
Do azul cinzento do
céu,
Branca e leve, branca
e fria…
– Há quanto tempo a
não via!
E que saudades, Deus
meu!
Olho-a através da
vidraça.
Pôs tudo da cor do
linho.
Passa gente e, quando
passa,
Os passos imprime e
traça
Na brancura do
caminho…
Fico olhando esses
sinais
Da pobre gente que
avança,
E noto, por entre os
mais,
Os traços miniaturais
Duns pezitos de
criança…
E descalcinhos,
doridos…
A neve deixa inda
vê-los,
Primeiro bem definidos,
– Depois em sulcos
compridos,
Porque não podia
erguê-los!…
Que quem já é pecador
Sofra tormentos... enfim!...
Mas as crianças,
Senhor,
porque lhes dais
tanta dor?!…
Por que padecem
assim?!…
E uma infinita
tristeza,
Uma funda turbação
Entra em mim, fica em
mim presa.
Cai neve na natureza...
– E cai no meu
coração.
Aldeia sob a Neve
(Jim Mitchell: cartunista
norte-americano)
Referência:
GIL, Augusto. Balada da neve. In: __________.
Augusto Gil: prosa e verso. Antologia
organizada por Agostinho de Campos. 2. ed.. Lisboa, PT: Livraria Bertrand, 1923.
p. 51-54. (‘Antologia Portuguesa’)
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