Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Dois poemas de Armindo Trevisan

À volta com o próprio umbigo, a poesia se autoenuncia nestes dois poemas do escritor gaúcho, ela que se oculta nos interstícios de tudo quanto configura a matéria hábil a tomar de assalto o espírito humano, como uma flor capaz de rebentar mesmo das águas turvas de um pântano.

Aliás, a imagem evocada por Trevisan fez-me relembrar termos similares empregados pelo poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto, especificamente no poema intitulado “Antiode”: a poesia tendo por origem elementos orgânicos os mais triviais.

J.A.R. – H.C.

Armindo Trevisan
(n. 1933)

A Um Jovem Poeta

Não escrevas um poema enquanto teu coração
arde. Deixa que a emoção arrefeça.
Depois, em silêncio, com ajuda da cabeça,
põe um tijolo sobre outro tijolo.
Tijolo? Tão frio o barro cozido...
Mas é dentro desse barro que acontecem as cópulas,
e as crianças choram pedindo leite.
Imagina um fruto amadurecido,
que pende de uma árvore: o vento o balança,
e o sol continua a aquecê-lo. Esta dança,
que não se vê,
é a poesia.

Reminiscências Arqueológicas
do “Angelus” de Millet
(Salvador Dalí: pintor espanhol)

Leitores de Poesia

Leitores de poesia, notastes como uma rã,
uma moeda, uma asa de inseto,
bastam para fazer a poesia emergir do pântano
em que está, ou das águas ultramarinas de um lago,
no qual se escondeu de olhares invejosos?
Digo mais: um mamilo incendiado de desejo,
no corpo de uma mulher, a traz de volta
ao nosso mundo sórdido, ambicioso, e injusto.

Pequena Serenata Noturna
(Dorothea Tanning: pintora norte-americana)

Referências:

TREVISAN, Armindo. A um jovem poeta. In: A serpente na grama. Porto Alegre, RS: Mercado Aberto, 2001. p. 174.

TREVISAN, Armindo. Leitores de poesia. In: O sonho nas mãos. Porto Alegre, RS: AGE, 2004. p. 127.

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