O novo ano surge à porta de uma taberna, metaforizado na figura de uma
mulher – acabrunhada, angustiosa, indecisa –, podendo-se perceber a voragem
soturna que lhe açoita a mente, incapaz de decidir por se lançar à luz do
ambiente que, quer queira quer não, acolhe o seu destino.
No fundo, são as dúvidas e esperanças que toda gente tem a esta época do
ano, expectativa de que os presságios se materializem em benesses e êxitos em
nossas empreitadas, e que, se algum infortúnio houver de suceder, que seja
breve e mitigável.
J.A.R. – H.C.
Nuno Júdice
(n. 1949)
Fim de Ano
Na aldeia deserta, à noite, à porta
de uma taberna onde não havia ninguém,
a mulher nova procura uma luz que a
abrigue. Está imóvel, como se pelo rosto não
passasse mais do que a sombra que
nem a manhã irá dissipar. Os braços
caídos dão-lhe uma aparência de pose
para uma estátua que se poderia chamar
angústia, ou indecisão; mas a boca
cerrada tem uma força que afasta
essa primeira imagem, e me leva a
perguntar por que é que não sai
dali, da aldeia deserta, e não entra
na taberna para se libertar da noite,
ou não segue o caminho dos homens
que procuram a cidade. A mulher nova,
porém, não sabe que eu penso no seu
destino; e limita-se a procurar uma luz,
com os olhos, para se libertar da sombra
e afrontar a vida com o seu rosto
de lábios cerrados no segredo que
adivinho.
Moça a uma meia-porta aberta
(Rembrandt: pintor
holandês)
Referência:
JÚDICE, Nuno. Fim de ano. In:
__________. A matéria do poema.
Lisboa, PT: Dom Quixote, 2008. p. 35.
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