Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Bastos Tigre - Natal de Ontem e de Hoje

Com a sua natural verve humorística, o poeta pernambucano – com o pseudônimo de D. Quixote – tece comparações entre os natais antigos e os que presenciou nas primeiras décadas do século XX – os quais, dos dias que correm, distam já quase um século, e muito mais descaracterizados pelo apelo comercial estão.

Mas para quem traz o Natal no coração, todas as externalidades são secundárias: trata-se de um dia especial para ressuscitarmos, depois de tantas mortes simbólicas que nos atingem ao longo do ano, passando a um estado de bem-aventurança e união com a força suprema que mobiliza o universo: o amor.

J.A.R. – H.C.

Bastos Tigre
(1882-1957)

Natal de Ontem e de Hoje

Natal! Vocábulo sonoro,
Com ressonâncias de cristal!
Amo o Natal; amo-o e adoro
O doce nome de “Natal”.

Ouvi-lo é ter no ouvido, ecoando
A voz dos sinos, no arraial,
Alegremente repicando
À excelsitude do Natal.

Missa do Galo. Espoca e brilha
O foguetório, a salva real...
Fulge o “painel”. Que maravilha!
Jesus nasceu: – Natal! Natal!

Ding-din! ding-don! – repicam sinos!
Vozes elevam-se em coral,
Desafinando ingênuos hinos
Em honra a Cristo e ao seu Natal.

Dança, presépios, pastorinhas
No pastoril de João de tal
E, entre vizinhos e vizinhas,
Os namoricos de Natal.

Castanhas, nozes, rabanadas,
Do velho tom tradicional,
De fino açúcar polvilhadas
Tendo a doçura do Natal.

E da família o quadro lindo
Da vasta mesa patriarcal
E a avó velhinha, repartindo
O imenso bolo de Natal.

Mudou o Natal. Que há que não mude
Neste vaivém universal?
Foi-se a simpleza ingênua e rude
Das idas festas de Natal.

Hoje, entre as luzes da cidade,
Cosmopolita e colossal,
A luz da Light a noite invade
E nem se vê vir o Natal.

Há o réveillon, francês em nome,
Ianque no fundo comercial;
Paga-se quanto se consome
A preços próprios do Natal.

Em vez da viola e da sanfona,
Em tom menor, sentimental,
Uma “ortofônica” ortofona
Um feroz “fox” infernal.

Há nos hotéis e clubes chiques
Festas de um tom convencional
Sem foguetório e sem repiques –
Que nem são festas de Natal!

Corre champanhe, em vez do verde,
Do carrascão de Portugal.
(Sem o verdasco o que há de ser de
Ti, ó consoada de Natal?)

E até há gaitas, serpentinas,
Como se fora um carnaval!
Vocês, rapazes e meninas,
Não têm ideia do Natal!

Chego a pensar que o próprio Cristo,
O de Belém, o do curral,
Lá do alto, olhando para isto,
Não reconhece o seu Natal.

E, então, fechando a azul esfera,
Se esconde além do último “astral”
E, por castigo, delibera
Não nascer mais pelo Natal.

Manhã de Natal
(Carl Larsson: pintor sueco)

Referência:

Tigre, Bastos. Natal de ontem e de hoje. In: __________. Poesias humorísticas. Edição definitiva. 1. série. Rio de Janeiro: Flores & Mano, 1933. p. 254-257.


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