Com a sua natural verve humorística, o poeta pernambucano – com o pseudônimo
de D. Quixote – tece comparações entre os natais antigos e os que presenciou
nas primeiras décadas do século XX – os quais, dos dias que correm, distam já
quase um século, e muito mais descaracterizados pelo apelo comercial estão.
Mas para quem traz o Natal no coração, todas as externalidades são
secundárias: trata-se de um dia especial para ressuscitarmos, depois de tantas
mortes simbólicas que nos atingem ao longo do ano, passando a um estado de
bem-aventurança e união com a força suprema que mobiliza o universo: o amor.
J.A.R. – H.C.
Bastos Tigre
(1882-1957)
Natal de Ontem e de Hoje
Natal! Vocábulo
sonoro,
Com ressonâncias de
cristal!
Amo o Natal; amo-o e
adoro
O doce nome de “Natal”.
Ouvi-lo é ter no ouvido,
ecoando
A voz dos sinos, no
arraial,
Alegremente repicando
À excelsitude do
Natal.
Missa do Galo. Espoca
e brilha
O foguetório, a salva
real...
Fulge o “painel”. Que
maravilha!
Jesus nasceu: –
Natal! Natal!
Ding-din! ding-don! –
repicam sinos!
Vozes elevam-se em
coral,
Desafinando ingênuos
hinos
Em honra a Cristo e
ao seu Natal.
Dança, presépios,
pastorinhas
No pastoril de João
de tal
E, entre vizinhos e
vizinhas,
Os namoricos de
Natal.
Castanhas, nozes,
rabanadas,
Do velho tom
tradicional,
De fino açúcar
polvilhadas
Tendo a doçura do
Natal.
E da família o quadro
lindo
Da vasta mesa
patriarcal
E a avó velhinha,
repartindo
O imenso bolo de
Natal.
Mudou o Natal. Que há
que não mude
Neste vaivém
universal?
Foi-se a simpleza ingênua
e rude
Das idas festas de
Natal.
Hoje, entre as luzes
da cidade,
Cosmopolita e
colossal,
A luz da Light a
noite invade
E nem se vê vir o
Natal.
Há o réveillon,
francês em nome,
Ianque no fundo
comercial;
Paga-se quanto se
consome
A preços próprios do
Natal.
Em vez da viola e da
sanfona,
Em tom menor,
sentimental,
Uma “ortofônica”
ortofona
Um feroz “fox”
infernal.
Há nos hotéis e clubes
chiques
Festas de um tom
convencional
Sem foguetório e sem
repiques –
Que nem são festas de
Natal!
Corre champanhe, em
vez do verde,
Do carrascão de
Portugal.
(Sem o verdasco o que
há de ser de
Ti, ó consoada de
Natal?)
E até há gaitas,
serpentinas,
Como se fora um
carnaval!
Vocês, rapazes e
meninas,
Não têm ideia do
Natal!
Chego a pensar que o
próprio Cristo,
O de Belém, o do
curral,
Lá do alto, olhando
para isto,
Não reconhece o seu
Natal.
E, então, fechando a
azul esfera,
Se esconde além do
último “astral”
E, por castigo,
delibera
Não nascer mais pelo
Natal.
Manhã de Natal
(Carl Larsson: pintor
sueco)
Referência:
Tigre, Bastos. Natal de ontem e de
hoje. In: __________. Poesias
humorísticas. Edição definitiva. 1. série. Rio
de Janeiro: Flores & Mano, 1933. p. 254-257.
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