Sob a forma de um esquema, um roteiro, um programa, o poeta dirige-se ao
leitor, com sugestões de como usufruir a mensagem cuja luz paira sobre o
presépio, essa metáfora de iluminação para quem deseja ser divino em sua
própria humanidade.
E como para tudo, em termos de poesia, há correlatos no significante ou
no significado, basta recorrer à anamnese para evocar, no momento presente, passagens
de semelhante beleza, como aquela de Whitman em “Salut au Monde”, cuja seção
completa ainda hei de aqui postar: “Cada um de nós inevitável; cada um
ilimitado – cada um com o seu direito neste mundo; cada um com acesso aos
eternos sentidos do mundo; cada um aqui tão divino quanto tudo”. (Whitman,
1903, p. 118-119)
J.A.R. – H.C.
Aloysio de Castro
(1881-1959)
Natal
Chegado o tempo, o
sol se abriu dentro da noite,
Luz da palavra nova,
esperança e verdade.
E os cânticos do mar
e os cânticos da terra
Disseram para os céus:
Glória a Deus neste Cristo!
Lá no escuro da noite
e no escuro da gruta
O Enviado do Senhor
era o sol que brilhava.
Homem de hoje, que em
vão, na vida, entre vertigens,
Queres fazer do mundo
a só felicidade,
E por mar de naufrágio
abres ao vento as velas,
Sem âncora nem leme,
ao léu num mar de culpas,
O dúbio coração,
incerto e desgarrado,
Muda-o, buscando além
a paz, a força, a glória.
No teu suado lidar
terás frescor e alívio.
A vida – prece e amor
– vive-a contente e canta
Com a terra e o mar
aos céus: Glória a Deus neste Cristo!
Por que buscas lá fora
as púrpuras e as pérolas,
Quando em ti a
riqueza e a beleza das coisas?
Alenta-te na fé, com
o cálice da humildade.
Levanta ao alto o
olhar, ergue as mãos fatigadas,
No campo azul do céu
colhe a flor das alturas,
A incomutável flor
das divinas essências,
E na alma inquieta
instila os místicos eflúvios,
Perfume da piedade e
do perdão que salva.
Homem de hoje,
insofrido, em turbação constante,
Abraça teu irmão, foge
à guerra e ao seu fogo.
Vive só para o bem,
crê na voz das promessas,
Prantos e desespero,
abafa-os num sorriso.
Despe o sudário
doloroso da tristeza,
Corre à tua alegria!
Homem, sê imortal,
Deixa que hoje esta
luz te entre a jorros na casa,
Neste dia de sol, que
nunca terá noite:
Luz de Deus, sol de
Deus, no dia do Natal.
Adoração dos Pastores
(Caravaggio: pintor
italiano)
Referências:
CASTRO, Aloysio. Natal. In: __________.
Poesias completas. Rio de Janeiro:
Casa Editora Vecchi Ltda., 1951. p. 170-171.
WHITMAN, Walt. Salut au monde!, part
11, in fine. In: __________. Leaves of
grass. London, EN: G. P. Putnam’s Sons; Boston, MA: Small, Maynard & Company,
1903.
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