Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 31 de dezembro de 2017

Mario Benedetti - Homem que olha o céu

Que proveito em transcrever estas enérgicas palavras do poeta uruguaio, para demarcar a minha repulsa implacável pelo que os políticos golpistas e canalhas deste país, apoiados por um mídia que desinforma a massa em proveito próprio (Globo, F.S.P, Estadão, Veja e outras da espécie) e por um judiciário (com “j” minúsculo, assim mesmo!) tendencioso e sectário, estão fazendo com o Brasil, rifando-o a preço de banana: um patrimônio conseguido pelo esforço de todos os brasileiros e alheado para compensar favores privados, daqui e de lá de fora, recebidos transversalmente, subterraneamente, por debaixo dos panos!

Que se vá o ano, para encerrar essa temporada de asco e escuridão, permutando-a por outra de transparência e respeito ao povo, o qual, em última instância, é quem banca com os seus recursos essa “festa” pernóstica que a “Casa Grande” promove com os recursos do erário! Que a estrela deles se finde, e uma estrela restauradora se fixe nos céus do Brasil! Tenhamos um grande 2018!

J.A.R. – H.C.

Mario Benedetti
(1920-2009)

Hombre que mira el cielo

Mientras pasa la estrella fugaz
acopio este deseo instantáneo
montones de deseos hondos y prioritarios
por ejemplo que el dolor no me apague la rabia
que la alegría no desarme mi amor
que los asesinos del pueblo se traguen
sus molares caninos e incisivos
y se muerdan juiciosamente el hígado
que los barrotes de las celdas
se vuelvan de azúcar o se curven de piedad
y mis hermanos puedan hacer de nuevo
el amor y la revolución
que cuando enfrentemos el implacable espejo
no maldigamos ni nos maldigamos
que los justos avancen
aunque estén imperfectos y heridos
que avancen porfiados como castores
solidarios como abejas
aguerridos como jaguares
y empuñen todos sus noes
para instalar la gran afirmación
que la muerte pierda su asquerosa puntualidad
que cuando el corazón se salga del pecho
pueda encontrar el camino de regreso
que la muerte pierda su asquerosa
y brutal puntualidad
pero si llega puntual no nos agarre
muertos de vergüenza
que el aire vuelva a ser respirable y de todos
y que vos muchachita sigas alegre y dolorida
poniendo en tus ojos el alma
y tu mano en mi mano
y nada más
porque el cielo ya está de nuevo torvo
y sin estrellas
con helicóptero y sin dios

En: “Trece Hombres que miran”

Olhando o Céu
(Eliza Kleczewska: artista polonesa)

Homem que olha o céu

Enquanto passa a estrela fugaz
junto neste desejo instantâneo
montes de desejos profundos e prioritários
por exemplo que a dor não me apague a raiva
que a alegria não desarme meu amor
que os assassinos do povo engulam
seus molares caninos e incisivos
e se mordam sensatamente o fígado
que as grades das celas
se tornem de açúcar ou se curvem de piedade
e meus irmãos possam fazer de novo
o amor e a revolução
que quando enfrentarmos o implacável espelho
não maldigamos nem nos maldigamos
que os justos avancem
mesmo que estejam imperfeitos e feridos
que avancem porfiados como castores
solidários como abelhas
aguerridos como jaguares
e empunhem todos seus nãos
para instalar a grande afirmação
que a morte perca sua asquerosa pontualidade
que quando o coração saia do peito
possa encontrar o caminho de regresso
que a morte perca a sua asquerosa
e brutal pontualidade
mas se chega pontual não nos encontre
mortos de vergonha
que o ar volte a ser respirável e de todos
e que você mocinha continue alegre e dolorida
pondo nos seus olhos a alma
e sua mão em minha mão
e nada mais
porque o céu já está de novo turvo
e sem estrelas
com helicópteros e sem deus

Em: “Treze Homens que Olham”

Referência:

BENEDETTI, Mario. Hombre que mira el cielo / Homem que olha o céu. Tradução de Julio Luís Gehlen. In: __________. Antologia poética. Tradução de Julio Luís Gehlen. Edição bilíngue. Rio de Janeiro, RJ: Record, 1988. Em espanhol: p. 150; em português: p. 151.


sábado, 30 de dezembro de 2017

Nuno Júdice - Fim de Ano

O novo ano surge à porta de uma taberna, metaforizado na figura de uma mulher – acabrunhada, angustiosa, indecisa –, podendo-se perceber a voragem soturna que lhe açoita a mente, incapaz de decidir por se lançar à luz do ambiente que, quer queira quer não, acolhe o seu destino.

No fundo, são as dúvidas e esperanças que toda gente tem a esta época do ano, expectativa de que os presságios se materializem em benesses e êxitos em nossas empreitadas, e que, se algum infortúnio houver de suceder, que seja breve e mitigável.

J.A.R. – H.C.

Nuno Júdice
(n. 1949)

Fim de Ano

Na aldeia deserta, à noite, à porta
de uma taberna onde não havia ninguém,
a mulher nova procura uma luz que a
abrigue. Está imóvel, como se pelo rosto não
passasse mais do que a sombra que
nem a manhã irá dissipar. Os braços
caídos dão-lhe uma aparência de pose
para uma estátua que se poderia chamar
angústia, ou indecisão; mas a boca
cerrada tem uma força que afasta
essa primeira imagem, e me leva a
perguntar por que é que não sai
dali, da aldeia deserta, e não entra
na taberna para se libertar da noite,
ou não segue o caminho dos homens
que procuram a cidade. A mulher nova,
porém, não sabe que eu penso no seu
destino; e limita-se a procurar uma luz,
com os olhos, para se libertar da sombra
e afrontar a vida com o seu rosto
de lábios cerrados no segredo que
adivinho.

Moça a uma meia-porta aberta
(Rembrandt: pintor holandês)

Referência:

JÚDICE, Nuno. Fim de ano. In: __________. A matéria do poema. Lisboa, PT: Dom Quixote, 2008. p. 35.


sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Richard Wilbur - Fim de Ano

Um poema que nos leva a refletir sobre o que deixamos de fazer, quando as circunstâncias ou os fatos da vida nos atingem de modo irreversível – momentos nos quais presenciamos os “extremos repentinos do tempo” –, e já não temos chances de promover as necessárias mudanças.

 

Folhas que, no inverno, caem em diques e ficam presas ao gelo até que submerjam; mamutes cujos despojos se mantiveram em terras enregeladas; os habitantes desprevenidos de Pompeia, mortos repentinamente pelas larvas expelidas pelo Vesúvio – tudo isso expressam metáforas capazes de nos despertar para os ajustes a serem promovidos em nossas lidas, antes que o sopro imprevisível da morte a tudo recubra.

 

J.A.R. – H.C.

 

Richard Wilbur

(n. 1921)

 

Year’s End

 

Now winter downs the dying of the year,

And night is all a settlement of snow;

From the soft street the rooms of houses show

A gathered light, a shapen atmosphere,

Like frozen-over lakes whose ice is thin

And still allows some stirring down within.

 

I’ve known the wind by water banks to shake

The late leaves down, which frozen where they fell

And held in ice as dancers in a spell

Fluttered all winter long into a lake;

Graved on the dark in gestures of descent,

They seemed their own most perfect monument.

 

There was perfection in the death of ferns

Which laid their fragile cheeks against the stone

A million years. Great mammoths overthrown

Composedly have made their long sojourns,

Like palaces of patience, in the gray

And changeless lands of ice. And at Pompeii

 

The little dog lay curled and did not rise

But slept the deeper as the ashes rose

And found the people incomplete, and froze

The random hands, the loose unready eyes

Of men expecting yet another sun

To do the shapely thing they had not done.

 

These sudden ends of time must give us pause.

We fray into the future, rarely wrought

Save in the tapestries of afterthought.

More time, more time. Barrages of applause

Come muffled from a buried radio.

The New-year bells are wrangling with the snow.

 

Um Lago Congelado entre as Montanhas

(Edward Cucuel: pintor norte-americano)

 

Fim de Ano

 

Agora o inverno consome o findar do ano

E a noite é todo um assentamento de neve;

À rua calma, os aposentos das casas mostram

Uma recolhida luz em atmosfera plasmada,

Como lagos recobertos por um gelo delgado

Ainda a permitir um parco fluxo por dentro.

 

Reconheci o vento pelo balouçar dos diques

Perante as últimas folhas, tombadas e regeladas,

Que seguras ao gelo, como extáticos dançarinos,

Flutuaram por todo o inverno sobre um lago;

Lavradas na escuridão em gestual de descenso,

Pareciam o seu próprio e perfeito monumento.

 

Havia perfeição no emurchecer das samambaias,

Cujos rizomas acomodaram-se contra o calhau

A milhão de anos. Grandes mamutes tombados

Paulatinamente fizeram suas estadias demoradas,

Comparáveis a paços de paciência, nos cinzentos

E inalteráveis domínios do gelo. E em Pompeia

 

O cãozinho deitou-se enrolado e não se ergueu,

Mas dormiu sono profundo ao expelir das larvas

Que deu com as pessoas incompletas, enrijecendo

Suas mãos ao acaso, os lassos e imprudentes olhos

Dos homens que esperavam ainda por outro sol

Para fazer bem a contento a coisa ainda não feita.

 

Hão de nos dar trégua tais fins súbitos do tempo.

Nós desafiamos o futuro, raramente preparados,

A não ser nas alfombras por trás do pensamento,

Mais tempo, mais tempo. As torrentes de aplauso

Chegam abafadas a partir de um rádio soterrado.

Os sinos do Ano Novo debatem-se com a neve.

 

Referência:

 

WILBUR, Richard. Year’s end. In: POULIN JR., A. (Ed.). Contemporary american poetry. 6th Ed. Boston,MA: Houghton Mifflin Company, 1996. p. 605-606.

 

quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Bastos Tigre - Natal de Ontem e de Hoje

Com a sua natural verve humorística, o poeta pernambucano – com o pseudônimo de D. Quixote – tece comparações entre os natais antigos e os que presenciou nas primeiras décadas do século XX – os quais, dos dias que correm, distam já quase um século, e muito mais descaracterizados pelo apelo comercial estão.

Mas para quem traz o Natal no coração, todas as externalidades são secundárias: trata-se de um dia especial para ressuscitarmos, depois de tantas mortes simbólicas que nos atingem ao longo do ano, passando a um estado de bem-aventurança e união com a força suprema que mobiliza o universo: o amor.

J.A.R. – H.C.

Bastos Tigre
(1882-1957)

Natal de Ontem e de Hoje

Natal! Vocábulo sonoro,
Com ressonâncias de cristal!
Amo o Natal; amo-o e adoro
O doce nome de “Natal”.

Ouvi-lo é ter no ouvido, ecoando
A voz dos sinos, no arraial,
Alegremente repicando
À excelsitude do Natal.

Missa do Galo. Espoca e brilha
O foguetório, a salva real...
Fulge o “painel”. Que maravilha!
Jesus nasceu: – Natal! Natal!

Ding-din! ding-don! – repicam sinos!
Vozes elevam-se em coral,
Desafinando ingênuos hinos
Em honra a Cristo e ao seu Natal.

Dança, presépios, pastorinhas
No pastoril de João de tal
E, entre vizinhos e vizinhas,
Os namoricos de Natal.

Castanhas, nozes, rabanadas,
Do velho tom tradicional,
De fino açúcar polvilhadas
Tendo a doçura do Natal.

E da família o quadro lindo
Da vasta mesa patriarcal
E a avó velhinha, repartindo
O imenso bolo de Natal.

Mudou o Natal. Que há que não mude
Neste vaivém universal?
Foi-se a simpleza ingênua e rude
Das idas festas de Natal.

Hoje, entre as luzes da cidade,
Cosmopolita e colossal,
A luz da Light a noite invade
E nem se vê vir o Natal.

Há o réveillon, francês em nome,
Ianque no fundo comercial;
Paga-se quanto se consome
A preços próprios do Natal.

Em vez da viola e da sanfona,
Em tom menor, sentimental,
Uma “ortofônica” ortofona
Um feroz “fox” infernal.

Há nos hotéis e clubes chiques
Festas de um tom convencional
Sem foguetório e sem repiques –
Que nem são festas de Natal!

Corre champanhe, em vez do verde,
Do carrascão de Portugal.
(Sem o verdasco o que há de ser de
Ti, ó consoada de Natal?)

E até há gaitas, serpentinas,
Como se fora um carnaval!
Vocês, rapazes e meninas,
Não têm ideia do Natal!

Chego a pensar que o próprio Cristo,
O de Belém, o do curral,
Lá do alto, olhando para isto,
Não reconhece o seu Natal.

E, então, fechando a azul esfera,
Se esconde além do último “astral”
E, por castigo, delibera
Não nascer mais pelo Natal.

Manhã de Natal
(Carl Larsson: pintor sueco)

Referência:

Tigre, Bastos. Natal de ontem e de hoje. In: __________. Poesias humorísticas. Edição definitiva. 1. série. Rio de Janeiro: Flores & Mano, 1933. p. 254-257.


quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

José María Fernández Nieto - Vilancico do Astronauta

Um engraçado folguedo a fazer pouco caso do presente concedido ao menino por um dos pastores presentes à cena da Natividade – exatamente uma flauta –, quando, na visão do trocista, melhor seria lhe dar um transistor, pois o sonho do infante seria dedicar-se à astronáutica e chegar à lua, precisando, portanto, de uma nave espacial modernosa.

Mas o arremate deste vilancilo dá-lhe um contorno inesperado: Maria, sabendo das intenções do petiz, pergunta-lhe acerca das razões pelas quais pretende ir até a lua, sendo ele um astro do porte de apreciável grandeza, ou melhor, o próprio sol!

J.A.R. – H.C.

José María Fernández Nieto
(1920-2013)

Villancico del Astronauta

– Pastor: ¿Para qué la flauta?
Mejor será el transistor,
pues dice el Niño, pastor,
que quiere ser astronauta.

– Mírale sobre la cuna,
soñando – ¡y es un chaval! –
que en una nave espacial
está subiendo a la luna.

– Pastor: ¿Para qué la flauta?
Mejor será el transistor.
¿No ves al Niño, pastor,
que quiere ser astronauta?

María, siempre oportuna
le dice junto a la cuna
encendida de arrebol:
– “¿Para qué quieres la luna,
hijo, si tú eres el Sol?”

A Virgem Adorando o
Menino Jesus Adormecido
(Sandro Botticelli: pintor italiano)

Vilancico do Astronauta (*)

– Pastor: Para quê a flauta?
Melhor será o transistor,
pois o Menino diz, pastor,
que quer ser astronauta.

– Observa-o sobre o berço,
sonhando – e é um miúdo! –
que em uma nave espacial
está subindo à lua.

– Pastor: Para quê a flauta?
Melhor será o transistor.
Não vês que o menino, pastor,
quer ser astronauta?

Maria sempre oportuna
diz-lhe junto ao berço
tisnada pelo arrebol:
para que queres a lua,
filho, se tu és o sol?

Nota:

(*) Vilancico, vilancete ou vilhancico era uma forma poética comum no Renascimento Ibérico, sendo construído em medida antiga e a partir de um mote de dois ou três versos; o tipo deste exemplar diz-se cantiga, expressão empregada quando o mote possui quatro ou mais versos.

Referência:

FERNÁNDEZ NIETO, José María. Villancico del astronauta. In: SANTIAGO, Miguel de; LASO, Juan Polo (Introducción y selección). Porque esta noche el amor: poesía navideña del siglo XX. Madrid, ES: Biblioteca de Autores Cristianos, 1997. p. 252.