De uma poetisa paulista paulistana – quase redundante, não?! –, que
nasceu no mesmo dia de aniversário do autor deste blog – 27 de julho –, o poema
de hoje faz menção ao Pindorama, por ela adjetivado como “Um Estado Muito
Interessante”.
E óbvio, ao assim qualificá-lo, empreendem-se paralelos com a mesma
expressão que se costuma empregar para mulheres que se encontram em estado de
gravidez. E vamos então a uma descrição nada convencional deste vasto
território, com prevalência ao que dele se pode apreender pela via dos sentidos
do tato e do olfato!
J.A.R. – H.C.
Zulmira Ribeiro Tavares
(n. 1930)
Um Estado Muito Interessante
Conheço o meu país
no escuro – pelo
tato.
E se me amarram as
mãos nas costas
conheço pelo cheiro.
E se me tapam o nariz
ainda assim conheço o
meu país
pelo que dele sobra
à minha volta.
Não conheço o meu
país pela boca.
Não conheço o meu
país pelos ouvidos.
Não conheço o meu
país pelos olhos.
O que a boca solta o
ouvido não encontra,
o papel não grava, o
olho não recorta.
Conheço o meu país
mas não o conheço de
dentro.
Também não o conheço
de fora.
Conheço-o de lado.
Quer dizer que o
conheço
sem relevo.
Muito curioso esse
país rasante
como um vôo rasteiro.
Meu país
bicho-de-concha
para dentro de sua
casca
sem contorno.
Muito curioso esse
país no escuro
sem local exato de
pouso
para os dedos.
Muito curioso esse
país de cheiros
sem apoio.
Muito curioso
e muito interessante.
O termo é este.
Um país interessante
é como uma mulher em
estado interessante?
Uma mulher em estado
interessante
sempre acaba
em trabalho de parto?
inevitavelmente? não
há outra saída
além daquela prevista
na barriga?
Um país muito
barrigudo
é uma mulher inchada
–
de basófia ou filhos?
A comparação não
cabe, entre pessoas
estados, de corpo,
alma
e federativos?
Ou cabe até demais?
É isto mesmo:
Tudo cabe em um país.
Ou não?
Como tirar a dúvida?
Por exclusão
do que primeiro?
estados? almas?
pessoas?
o que fica? sobra?
federação? filhos?
O que faço
se não controlo as
respostas
pela boca; assobio?
Deixo passar em
brancas nuvens
o que o olho não viu
se tinha cores?
Por que não me
conformo
pelo meu país a
gastar menos
a só usar uma narina
e um dedo?
Por que o anseio
de vir a conhecer a
raiz dos cheiros
relevos posição dos
corpos mares rios
rotas ares
esquadrias?
Tão sentimental vou
indo
olhos de leitura sem
legenda
e boca sem sentenças
indo estou voltando
ao ponto de partida
No escuro meu país é
simples.
Dois sentidos bastam.
E sobram.
Sem nenhum sentido
meu país teria
a mais perfeita
ordem.
Gravidez
(Heidi Taillefer:
artista canadense)
Referência:
TAVARES, Zulmira Ribeiro. Um estado
muito interessante. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de (Org.). 26 poetas hoje: antologia. 6. ed. Rio
de Janeiro, RJ: Aeroplano Editora, 2007. p. 93-96. (Coleção “Bolso”)
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