O internauta poderá estranhar as grafias distintas do nome do poeta
palestino, apresentadas na epígrafe desta postagem e sob a sua fotografia, mais
abaixo. Contudo jamais haverá de desconhecer as razões que atribuem fundamento
às palavras marcantes do poema que ora transcrevemos, articulado por uma voz
lírica que se identifica com um árabe-palestino afugentado de suas terras
ancestrais.
Como se nota, a poesia, nesse estágio, é um instrumento de luta, combate
e resistência ante as injustiças cometidas contra o povo palestino, ainda hoje
expropriado do seu legítimo direito de autodeterminação. Ou será que aquele artigo
preambular da Carta das Nações Unidas existe apenas em pura formalidade, mero
enunciado, mas sem aplicação prática?!...
J.A.R. – H.C.
Mahmoud Darwish
(1941-2008)
Carteira de Identidade
Registra-me
sou árabe
o número de minha
identidade é cinquenta mil
tenho oito filhos
e o nono... virá logo
depois do verão
vais te irritar por
acaso?
registra-me
sou árabe
trabalho com meus
companheiros de luta
em uma pedreira
tenho oito filhos
arranco das pedras
o pão, as roupas, os
cadernos
e não venho mendigar
em tua porta
e não me dobro
diante das lajes de
teu umbral
vais te irritar por
acaso?
registra-me
sou árabe
meu nome é muito
comum
e sou paciente
em um país que ferve
de cólera
minhas raízes...
fixadas antes do
nascimento dos tempos
antes da eclosão dos
séculos
antes dos ciprestes e
oliveiras
antes do crescimento
vegetal
meu pai... da família
do arado
e não dos senhores do
Nujub (1)
e meu avô era
camponês
sem árvore
genealógica
minha casa
uma cabana de guarda
de canas e ramagens
satisfeito com minha
condição
meu nome é muito
comum
registra-me
sou árabe
sou árabe
cabelos... negros
olhos... castanhos
sinais particulares
um kuffiah e uma faixa na cabeça (2)
as palmas ásperas
como rochas
arranharam as mãos
que estreitam
e amo acima de tudo
o azeite de oliva e o
tomilho
meu endereço
sou de um povoado
perdido... esquecido
de ruas sem nome
e todos os seus
homens... no campo e na pedreira
amam o comunismo (3)
vais te irritar por
acaso?
registra-me
sou árabe
tu me despojaste dos
vinhedos de meus antepassados
e da terra que
cultivava
com meus filhos
e não nos deixaste
nem a nossos
descendentes
mais que estes seixos
que nosso governo
tomará também
como se diz
vamos!
escreve
bem no alto da
primeira página
que eu não odeio os
homens
que eu não agrido
ninguém
mas... se me
esfomeiam
como a carne de quem
me despoja
e cuidado... cuida-te
de minha fome
e minha cólera.
De: “Folhas de Oliveira”
Gravura (LAÂBI, 1981, p. 40)
Notas dos Editores:
(1) Célebre tribo da Arábia;
(2) Elemento de adorno dos palestinos;
(3) Este verso foi suprimido nas
edições árabes do poema, salvo na revista At-Tarig.
Observação:
(4) Não consta na obra de onde se
extraiu a gravura acima – especificada no campo de referência –, o nome do(s)
autor(es) das inúmeras gravuras contidas ao longo do livro, embora se mencione
que a sua capa foi produzida por Carlos Alberto Torres, com elaboração pela
Compósita Ltda. e impressão pelos Estúdios Gráficos Borsoi S/A.
Referência:
DARWICH, Mahmud. Carteira de
identidade. In: LAÂBI, Abdellatif (Sel.). Poesia
palestina de combate. Prefácio de Farid Suwwan. Tradução de Jaime W.
Cardoso e José Carlos Gondim. Rio de Janeiro, RJ: Achiamé, 1981. p. 41-43.
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