O sujeito lírico se identifica com uma laranjeira seca que vê o mundo
refletir o quadro inglório projetado por sua estrutura fenecida. E pede ao
lenhador que corte a sua sombra, não ela própria, pois espera por fim às
imagens do espelho, onde se estabelece a sua autoconsciência.
É como se necessitássemos, todos, de certos pontos cegos para poder
viver em paz, ou por outra, sem angústias, numa espécie de autoilusão: que se
corte a sombra da árvore para que não se perceba estéril, qual criatura sem
rebentos; ou que ela se ludibrie com formigas e papilhos, como se fossem suas
folhas e os pássaros que nela pousam.
J.A.R. – H.C.
Federico García Lorca
(1898-1936)
Canción del Naranjo Seco
A Carmen Morales
Leñador.
Córtame la sombra.
Líbrame del suplicio
de verme sin
toronjas.
¿Por qué nací entre
espejos?
El día me da vueltas.
Y la noche me copia
en todas sus
estrellas.
Quiero vivir sin
verme.
Y hormigas y vilanos,
soñaré que son mis
hojas y mis pájaros.
Leñador.
Córtame la sombra.
Líbrame del suplicio
de verme sin
toronjas.
En: “Canciones” (1921-1924)
(“Canciones para terminar”)
Árvore Morta
(Gurgen Bakhshetsyan:
artista armênio)
Canção da Laranjeira Seca
A Carmen Morales
Lenhador.
Corta a minha sombra.
Livra-me do suplício
de ver-me sem
toranjas.
Por que nasci entre
espelhos?
O dia dá voltas em
meu redor.
E a noite me copia
em todas as suas
estrelas.
Quero viver sem
ver-me.
E formigas e vilões,
sonharei que são
minhas
folhas e meus
pássaros.
Lenhador.
Corta a minha sombra.
Livra-me do suplício
de ver-me sem
toranjas.
Em: “Canções” (1921-1924)
(“Canções para
terminar”)
Referência:
LORCA, Federico García. Canción del
naranjo seco / Canção da laranjeira seca. Tradução de William Agel de Melo. In:
__________. Obra poética completa. Tradução
de William Agel de Melo. Brasília, DF: Editora da UnB; São Paulo, SP: Martins Fontes, 1989. Em
espanhol: p. 346; em português: p. 347.
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