Fico a imaginar o que teria a nos dizer o autor do poema abaixo, sobre a
justiça – assim mesmo, com “j” minúsculo – ora a grassar neste Pindorama,
enxovalhada com os Gilmares e Moros da vida, uma justiça do espetáculo torpe, a
promover o que não é nem Direito nem Justiça, senão a mais genuína politicagem, com a maior desfaçatez, tudo de
olhos bem desvendados?!
Temos, agora, um quadro de intolerância que, partindo de uma elite com mentalidade
ainda atravessada pelo escravagismo, na qual se incorpora a grande mídia – parasita
e, por isso mesmo, golpista! –, alcança de forma voraz o judiciário (não há
erro na grafia!) e o torna um poder putrefato, a ser reescrito do zero! Contra
a intolerância em que nos meteram, restauro a “sagrada intolerância” do poeta e
tradutor paranaense, vertida no mais veemente de todos os desígnios!
J.A.R. – H.C.
Celso Mauro Paciornik
(n. 1946)
Sagrada Intolerância
Que importa
que um coração se
tenha enchido de ódio
ante a podrificação
inexorável dos sentidos
e dos sentimentos?
O ódio é meu e aos
outros.
De condescendência
basta
este afável cotidiano
de concórdias
mesuras, penas e
silêncios.
Frente a frente aqui
a este espelho branco
de papel pautado
serei a minha imagem em
tinta
em letras toscas e
palavras brasas
que meu peito está em
chamas
e meus olhos clamam
uma erupção de
lágrimas amargas.
Nesses tempos de
monumental burrismo
em que a sabedoria se
reserva
aos adoradores de si
mesmos
em que a memória de
fatos e de feitos
se registra ao gosto
de elegantes
corruptores rufiões
do esforço alheio
em que o verbo se
despoja de explosão e incêndio
e se presta tão
somente à farsa açucarada
e à venda viciosa de
mesmices
em que a tortura é
feita lei e salva-pátria
e se financia a
carrascória via impostos
e declarações de
decorosa indignação
eu declaro
em desvario de sagrada intolerância:
Quero ver pender
da estátua caolha e
brega da Justiça
a chusma toda algoz
de traficantes
de verbos, vidas,
vontades e verdades
que reinventa o mundo
à sua podre imagem
e semelhança
e das próprias fezes
se envergonha
a ponto
de não sentir seu
cheiro.
Alegoria da Justiça e da Paz
(Theodoor van Thulden:
pintor holandês)
Referência:
PACIORNIK, Celso Mauro. Sagrada
intolerância. In: __________. Inversos
tempos: suíte em quatro andamentos. Absurdo-mundo; Cozido à brasileira;
Linguafiada e Sempre-vivo. São Paulo, SP: Estação Liberdade, 1992. p. 40-41.
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