Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Sophia de Mello Breyner Andresen - O Poema

A poetisa confronta a temporalidade do ser com a maior permanência do poema, ou seja, espera que o seu trabalho seja capaz de se sustentar ante o fluxo corrosivo do tempo, fazendo-o passar pelas mãos de quem o lê, indo dar em praias onde poderá quebrar as suas ondas.

E mais: aspira pela identificação do leitor com as ideias nele expressas, a ponto de poder confundir o seu próprio ser – imerso na solidão voraz delimitada por quatro paredes que se supõem conformar o seu espaço privativo – com o poema mesmo, sujeito ao trânsito dos anos.

J.A.R. – H.C.

Sophia de Mello Breyner Andresen
(1919-2004)

O Poema

O poema me levará no tempo
Quando eu já não for eu
E passarei sozinha
Entre as mãos de quem lê

O poema alguém o dirá
Às searas

Sua passagem se confundirá
Com o rumor do mar com o passar do vento

O poema habitará
O espaço mais concreto e mais atento

No ar claro nas tardes transparentes
Suas sílabas redondas

(Ó antigas ó longas
Eternas tardes lisas)

Mesmo que eu morra o poema encontrará
Uma praia onde quebrar as suas ondas

E entre quatro paredes densas
De funda e devorada solidão
Alguém seu próprio ser confundirá
Com o poema no tempo

Em: “Livro sexto” (1962)

No litoral de Capri
(Andreas Achenbach: pintor alemão)

Referência:

ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner. O poema. In: __________. Obra poética II. Lisboa, PT: Editorial Caminho, 1991. p. 120.

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