Este poema em duas partes, do escritor e poeta norte-americano, foi
publicado postumamente ao passamento de Melville, e se detém, primeiramente, a evocar os momentos que deram ensejo à obra mais célebre da literatura portuguesa,
quando Camões esteve a serviço das armas lusitanas na Índia e em Macau, havendo
sido aprisionado, pouco depois, em Goa: tudo são belas páginas que mesclam
feitos heróicos a outros de lírica impecável.
A segunda parte, em forma de soneto, captura, por outro lado, a expressão
de Camões enquanto heroi errante, convertido em poeta desencantado, vivendo os
seus derradeiros dias, na pobreza, num hospital em Lisboa: triste fado para um
vate que imortalizou o bravo espírito de aventura dos seus pares.
Um adendo: para quem deseja melhor se informar sobre a influência da
obra de Camões – “Os Lusíadas”, em especial – nos trabalhos de Melville, tem-se aqui um
artigo com o título “Melville e os portugueses”, de autoria da Profa. Dra.
Irene Hirsch, da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP/MG): mera
coincidência as obras maiores de Camões e de Melville (“Moby Dyck”) passarem-se
sobre o mar? Nem tanto ao mar nem tanto à terra! (rs).
J.A.R. – H.C.
Herman Melville
(1819-1891)
Camöens (Before)
(ASCHER, 1998, p. 90)
Ever restless,
restless, craving rest –
Forever must I fan
this fire,
Forever in flame on
flame aspire?
Yea, for the God
demands thy best.
The world with
endless beauty teems,
And thought evokes
new worlds of dreams:
Hunt then the flying
herds of themes!
And fan, yet fan thy
fervid fire,
Until the crucible
gold shall show
That fire can purge
as well as glow.
In ordered ardor,
nobly strong,
Flame to the height
of epic song.
Camões (Antes)
(ASCHER, 1998, p. 91)
Devo – incansável que
descansaria –
sempre atiçar meu
fogo? Não tem fim
o afã que, chama em
chamas, arde em mim?
Sim, porque o Deus
requer tua porfia.
O mundo exibe tal
beleza, enquanto
mais mundos sonha a
mente: vai, portanto,
caçar mil temas no ar
para o teu canto.
E atiça, atiça o fogo
até que, enfim,
comprove, acrisolado,
o ouro sem par,
que o fogo é luz, mas
sabe depurar.
Com árduo ardor,
nobre vigor, ateia,
no alto mais alto, a
chama epopeia.
Luís Vaz de Camões
(1524-1580)
Camöens in the Hospital (After)
(ASCHER, 1998, p. 92)
What now avails the
pageant verse,
Trophies and arms
with music borne?
Base is the world;
and some rehearse
How noblest meet
ignoble scorn.
Vain now the ardor,
vain thy fire,
Delirium mere,
unsound desire:
Fate’s knife hath
ripped thy chorded lyre.
Exhausted by the
exacting lay,
Thou dost but fall a
surer pray
To vile and guile ill
understood;
While they who work
them, fair in face,
Still keep their
strength in prudent place,
And claim they
worthier run life’s race,
Serving high God with
useful good.
Camões no Hospital (Depois)
(ASCHER, 1998, p. 93)
De que vale – cortejo
triunfante
de armas, troféus e
música – o teu verso?
O mundo é vil; há
quem, no entanto, cante
que o fado do mais
nobre é sempre adverso.
Inúteis já, teu fogo
e ardor contínuo
reduzem-se a delírio
e desatino:
rasgou-te a lira, o
gume do destino.
Exausto da exigente
trova, agora
te tornas presa fácil
da pletora
de enganos
traiçoeiros e do engodo;
mas quem finge
virtude e os trama é gente
que ainda preserva
num lugar prudente,
a força e diz viver mais
dignamente
servindo em tudo a
Deus no melhor modo.
Referência:
ASCHER, Nelson (Tradução e
Organização). Poesia alheia: 124
poemas traduzidos. Rio de Janeiro, RJ: Imago, 1998. (Coleção “Lazuli”)
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário