Os limites da razão são aqueles até onde o poema se espraia com algum
sentido, além dos quais as palavras passam a ser reverberações metastásicas de
um inconsciente inflado, com poderes para recriar, em outras dimensões, toda a
realidade experimentada com os pés bem fixos no chão.
Parecem-se às “alucinações” surrealistas, enigmáticas, quase
indecifráveis, harmoniosas a seu modo, contudo, pairando no mesmo espaço
neblinado e unitário em que o poeta, “montado no cavalo mecânico do gênio do
tempo”, vivencia os seus momentos de pura iluminação...
J.A.R. – H.C.
Murilo Mendes
(1901-1975)
Limites da Razão
1
Atrás do meu
pensamento
os demônios destroem
as meninas que eu gostei,
fazem com o movimento
e o espírito delas
um samba pros outros
dançarem.
2
O manequim vermelho
do espaço
que de noite eu
levanto a mão para tocar
chega perto de mim
tem um ritmo próprio
um andar quase
humano.
Já vi há muitos anos
numa cidade do interior
uma professora
inglesa que andava assim.
De tanto as
costureiras do ateliê de Dona Laura
se esfregarem no manequim
de tarde
ele já quer sair das
camadas primitivas
daqui a mil anos será
uma grande dançarina
dançará sobre minha
cova diante do cartaz dos astros
quando eu mesmo
dançar minha vida realizada
no terraço dos
astros.
3
Alongamento:
tudo foge na hora extrema
banhado na neblina da
agonia
as constelações me
abrem a porta
e montado no cavalo
mecânico do gênio do tempo
atinjo a região
proibida aos humanos,
mas nunca poderei ser
totalmente outro.
Alguma coisa me fica
do mundo antigo.
Desenvolvo-me em
planos harmoniosos
distingo a iluminação
dos pensamentos,
amparado pelas formas
que moram no espaço
realizo a perfeição
da minha unidade,
penetro a vida das
cores novas, dos sons definitivos
e enlaço a forma do
amor
vivendo pra sempre
dentro de mim.
Chaves
(Vladimir Kush:
artista russo)
Referência:
MENDES, Murilo. Limites da razão. In: Poemas:
1925-1929 e Bumba-meu-Poeta: 1930-1931. Organização, introdução, variantes
e bibliografia por Luciana Stegagno Picchio. 3. reimp. Rio de Janeiro, RJ: Nova
Fronteira, 1988. p. 68-69.
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