Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 28 de outubro de 2017

Lêdo Ivo - O amanhecer das criaturas ‎

O gesto de se acordar, pela manhã, junto à amada, convola-se, nas palavras do poeta, de um evento ordinário, cotidiano, trivial, a um invulgar daguerreótipo de fatos que parecem resultantes do ato de se pingar um “colírio alucinógeno” – como o que lança mão o colunista José Simão, da F.S.P., o autodenominado “Esculhambador-Geral da República”! (rs)

Mas nisto consiste a arte da poética: apor sobre os olhos do(a) leitor(a) esse filtro que a tudo transforma, varrendo o pó que a passagem do tempo agrega sobre a interpretação que fazemos das coisas, acontecimentos, circunstâncias e pessoas, de modo a acrescer, como diria Camões, “novos mundos ao mundo”.

J.A.R. – H.C.

Lêdo Ivo
(1924-2012)

O amanhecer das criaturas

O dia forma-se
de quase nada:
um seio nu
por entre pálpebras,

o sol que raia
e a luz acesa
no arranha-céu
que a aurora lava.

A mão incerta
deixa na rósea
carne dormida
o gesto equívoco.

Tudo é lilá
na luminosa
e vã partilha.

No dia imenso
nascem tesouros:
curvos, redondos.

O pão à porta,
depois o leite,
e o erguer dos corpos.

Amanhecer dos Vulcões
(Mario Carreño: pintor cubano)

Referência:

IVO, Lêdo. O amanhecer das criaturas. In: __________. Os melhores poemas de Lêdo Ivo. Seleção de Sérgio Alves Peixoto. 2. ed. São Paulo, SP: Global, 1990. p. 96. (Série “Os Melhores Poemas”, n. 2)

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