Já centenário – e muito vivo em seus 102 anos e pouco! – o poeta chileno
escreve um gracioso epitáfio para si mesmo, a sublinhar o grupo social de suas
origens, seus traços físicos e, ao final, a marca de seu temperamento, misto de
anjo e fera.
Obviamente, Parra deseja apenas opor esse hipotético epitáfio,
caricatural e propositadamente picaresco, aos modelos mais austeros, melhor
dizendo, plenos de seriedade e solenidade, apostos nos túmulos dos mais
abonados, para relevar as características – obviamente positivas – dos falecidos.
J.A.R. – H.C.
Nicanor Parra
(n. 1914)
Epitafio
De estatura mediana,
Con una voz ni
delgada ni gruesa,
Hijo mayor de
profesor primario
Y de una modista de
trastienda;
Flaco de nacimiento
Aunque devoto de la
buena mesa;
De mejillas
escuálidas
Y de más bien
abundantes orejas;
Con un rostro
cuadrado
En que los ojos se
abren apenas
Y una nariz de
boxeador mulato
Baja a la boca de
ídolo azteca
– Todo esto bañado
Por una luz entre
irónica y pérfida –
Ni muy listo ni tonto
de remate
Fui lo que fui: una
mezcla
De vinagre y aceite
de comer
¡Un embutido de ángel
y bestia!
As quatro estações
(Pamela June Crook:
pintora inglesa)
Epitáfio
De estatura mediana,
Com uma voz nem fina
nem grossa,
Filho mais velho de
professor de
ensino fundamental
E de uma costureira
de fundo de loja;
Naturalmente magro
Embora devoto da boa
mesa;
De bochechas esquálidas
E de bem mais fartas orelhas;
Com um rosto quadrado
No qual mal se veem os olhos
E um nariz de
boxeador mulato
Sobre a boca de um
ídolo asteca
– Tudo isto banhado
Por uma luz entre
irônica e pérfida –
Nem muito arguto nem
totalmente parvo,
Fui o que fui: uma
mistura
De vinagre e azeite,
Um recheado de anjo e
fera!
Referência:
PARRA, Nicanor. Epitafio. In:
__________. Poemas y antipoemas.
Santiago, CL: Nascimento, 1954. p. 65-68.
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