Como se o poeta desejasse, com todo vigor, que as palavras fossem
capazes de promover mudanças, iguala ele a sua tinta à da natureza que desenha
numa página, levando o poema a ser interpretado, à primeira vista, como uma reflexão
sobre o próprio ato de escrever.
Claro está que as palavras não são capazes de engendrar realidades
alternativas, embora a tinta na superfície seja apta a criar páginas habitadas
por letras e palavras, as quais, na progressão linguística de Paz, equivalem a
árvores e constelações verdes, plasmadas num conjecturável surrealismo onírico.
Mas não só: trata-se também de um poema sobre o amor, embora os limites
entre os temas – o metalinguístico e o amoroso – não sejam muito bem definidos.
Isto porque, quem sabe, a poética pode fazer parte da “arte de amar”, transmissível
por meio dos próprios poemas.
J.A.R. – H.C.
Octavio Paz
(1914-1998)
Escrito com tinta verde
La tinta verde crea
jardines, selvas, prados,
follajes donde cantan
las letras,
palabras que son
árboles,
frases que son verdes
constelaciones.
Deja que mis
palabras, oh blanca, desciendan
y te cubran
como una lluvia de
hojas a un campo de nieve,
como la yedra a la
estatua,
como la tinta a esta
página.
Brazos, cintura,
cuello, senos,
la frente pura como
el mar,
la nuca de bosque en
otoño,
los dientes que
muerden una brizna de yerba.
Tu cuerpo se constela
de signos verdes
como el cuerpo del
árbol de renuevos.
No te importe tanta
pequeña cicatriz luminosa:
mira al cielo y su
verde tatuaje de estrellas.
Verde Esmeralda
(Daniel F. Gerhartz:
pintor norte-americano)
Escrito com tinta verde
A tinta verde cria
jardins, selvas, prados,
folhagens onde cantam
as letras,
palavras que são
árvores,
frases que são verdes
constelações.
Deixa que minhas
palavras, ó branca, desçam
e te cubram
como uma chuva de
folhas a um campo de
neve,
como a hera à
estátua.
como a tinta a esta
página.
Braços, cintura,
pescoço, seios,
a fronte pura como o
mar,
a nuca de bosque no
outono,
os dentes que mordem
um fio de erva.
Teu corpo constela-se
de signos verdes
como o corpo da
árvore de rebentos.
Não te afronte tanta
pequena cicatriz
luminosa:
olha o céu e sua
verde tatuagem de estrelas.
De: “Liberdade sob Palavra” (1935-1957)
Referências:
Em Espanhol
PAZ, Octavio. Escrito com tinta verde.
Disponível neste endereço. Acesso em: 10 set. 2017.
Em Português
PAZ, Octavio. Escrito com tinta verde.
Tradução de Luis Pignatelli. In: __________. Antologia poética: 1935-1975. Organização e tradução de Luis
Pignatelli. 2. ed. Lisboa, PT: Publicações Dom Quixote, 1998. p. 32.
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