Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Octavio Paz - Escrito com tinta verde

Como se o poeta desejasse, com todo vigor, que as palavras fossem capazes de promover mudanças, iguala ele a sua tinta à da natureza que desenha numa página, levando o poema a ser interpretado, à primeira vista, como uma reflexão sobre o próprio ato de escrever.

Claro está que as palavras não são capazes de engendrar realidades alternativas, embora a tinta na superfície seja apta a criar páginas habitadas por letras e palavras, as quais, na progressão linguística de Paz, equivalem a árvores e constelações verdes, plasmadas num conjecturável surrealismo onírico.

Mas não só: trata-se também de um poema sobre o amor, embora os limites entre os temas – o metalinguístico e o amoroso – não sejam muito bem definidos. Isto porque, quem sabe, a poética pode fazer parte da “arte de amar”, transmissível por meio dos próprios poemas.

J.A.R. – H.C.

Octavio Paz
(1914-1998)

Escrito com tinta verde

La tinta verde crea jardines, selvas, prados,
follajes donde cantan las letras,
palabras que son árboles,
frases que son verdes constelaciones.

Deja que mis palabras, oh blanca, desciendan
y te cubran
como una lluvia de hojas a un campo de nieve,
como la yedra a la estatua,
como la tinta a esta página.

Brazos, cintura, cuello, senos,
la frente pura como el mar,
la nuca de bosque en otoño,
los dientes que muerden una brizna de yerba.

Tu cuerpo se constela de signos verdes
como el cuerpo del árbol de renuevos.
No te importe tanta pequeña cicatriz luminosa:
mira al cielo y su verde tatuaje de estrellas.

Verde Esmeralda
(Daniel F. Gerhartz: pintor norte-americano)

Escrito com tinta verde

A tinta verde cria jardins, selvas, prados,
folhagens onde cantam as letras,
palavras que são árvores,
frases que são verdes constelações.

Deixa que minhas palavras, ó branca, desçam
e te cubram
como uma chuva de folhas a um campo de
neve,
como a hera à estátua.
como a tinta a esta página.

Braços, cintura, pescoço, seios,
a fronte pura como o mar,
a nuca de bosque no outono,
os dentes que mordem um fio de erva.

Teu corpo constela-se de signos verdes
como o corpo da árvore de rebentos.
Não te afronte tanta pequena cicatriz
luminosa:
olha o céu e sua verde tatuagem de estrelas.

De: “Liberdade sob Palavra” (1935-1957)

Referências:

Em Espanhol

PAZ, Octavio. Escrito com tinta verde. Disponível neste endereço. Acesso em: 10 set. 2017.

Em Português

PAZ, Octavio. Escrito com tinta verde. Tradução de Luis Pignatelli. In: __________. Antologia poética: 1935-1975. Organização e tradução de Luis Pignatelli. 2. ed. Lisboa, PT: Publicações Dom Quixote, 1998. p. 32.

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