Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Carlos Drummond de Andrade - Amor – pois que é palavra essencial

O escritor e poeta itabirano descreve, com a sua natural verve incandescente, a “dupla chama: amor e erotismo”, tal como também a resenha em prosa outro grande escritor – e também poeta – o Nobel mexicano Octavio Paz, tudo como forma de abarcar os atributos físico e espiritual da mais significativa de todas as experiências humanas.

O poema foi extraído de uma coletânea de poesia erótica – “O Amor Natural” –, com dominância do duo desejo x sexualidade, que, sem dúvida, surpreende os leitores acostumados às criações mais intimistas, circunspectas e formais de Drummond.

J.A.R. – H.C.

Carlos Drummond de Andrade
(1902-1987)

Amor – pois que é palavra essencial

Amor – pois que é palavra essencial
comece esta canção e toda a envolva.
Amor guie o meu verso, e enquanto o guia,
reúna alma e desejo, membro e vulva.

Quem ousará dizer que ele é só alma?
Quem não sente no corpo a alma expandir-se
até desabrochar em puro grito
de orgasmo, num instante de infinito?

O corpo noutro corpo entrelaçado,
fundido, dissolvido, volta à origem
dos seres, que Platão viu completados:
é um, perfeito em dois; são dois em um.

Integração na cama ou já no cosmo?
Onde termina o quarto e chega aos astros?
Que força em nossos flancos nos transporta
a essa extrema região, etérea, eterna?

Ao delicioso toque do clitóris,
já tudo se transforma, num relâmpago.
Em pequenino ponto desse corpo,
a fonte, o fogo, o mel se concentraram.

Vai a penetração rompendo nuvens
e devassando sóis tão fulgurantes
que nunca a vista humana os suportara,
mas, varado de luz, o coito segue.

E prossegue e se espraia de tal sorte
que, além de nós, além da própria vida,
como ativa abstração que se faz carne,
a ideia de gozar está gozando.

E num sofrer de gozo entre palavras,
menos que isto, sons, arquejos, ais,
um só espasmo em nós atinge o clímax:
é quando o amor morre de amor, divino.

Quantas vezes morremos um no outro,
no úmido subterrâneo da vagina,
nessa morte mais suave do que o sono:
a pausa dos sentidos, satisfeita.

Então a paz se instaura. A paz dos deuses,
estendidos na cama, qual estátuas
vestidas de suor, agradecendo
o que a um deus acrescenta o amor terrestre.

Amantes
(Tomasz Rut: pintor polonês)

Referência:

ANDRADE, Carlos Drummond de. Amor – pois que é palavra essencial. In: __________. O amor natural. São Paulo, SP: Círculo do Livro, 1992. p. 15-17.

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