O escritor e poeta itabirano descreve, com a sua natural verve
incandescente, a “dupla chama: amor e erotismo”, tal como também a resenha em
prosa outro grande escritor – e também poeta – o Nobel mexicano Octavio Paz, tudo
como forma de abarcar os atributos físico e espiritual da mais significativa de
todas as experiências humanas.
O poema foi extraído de uma coletânea de poesia erótica – “O Amor
Natural” –, com dominância do duo desejo x sexualidade, que, sem dúvida,
surpreende os leitores acostumados às criações mais intimistas, circunspectas e
formais de Drummond.
J.A.R. – H.C.
(1902-1987)
Amor – pois que é palavra essencial
Amor – pois que é
palavra essencial
comece esta canção e
toda a envolva.
Amor guie o meu
verso, e enquanto o guia,
reúna alma e desejo,
membro e vulva.
Quem ousará dizer que
ele é só alma?
Quem não sente no
corpo a alma expandir-se
até desabrochar em
puro grito
de orgasmo, num
instante de infinito?
O corpo noutro corpo
entrelaçado,
fundido, dissolvido,
volta à origem
dos seres, que Platão
viu completados:
é um, perfeito em
dois; são dois em um.
Integração na cama ou
já no cosmo?
Onde termina o quarto
e chega aos astros?
Que força em nossos flancos
nos transporta
a essa extrema
região, etérea, eterna?
Ao delicioso toque do
clitóris,
já tudo se
transforma, num relâmpago.
Em pequenino ponto
desse corpo,
a fonte, o fogo, o
mel se concentraram.
Vai a penetração
rompendo nuvens
e devassando sóis tão
fulgurantes
que nunca a vista
humana os suportara,
mas, varado de luz, o
coito segue.
E prossegue e se
espraia de tal sorte
que, além de nós,
além da própria vida,
como ativa abstração
que se faz carne,
a ideia de gozar está
gozando.
E num sofrer de gozo
entre palavras,
menos que isto, sons,
arquejos, ais,
um só espasmo em nós
atinge o clímax:
é quando o amor morre
de amor, divino.
Quantas vezes
morremos um no outro,
no úmido subterrâneo
da vagina,
nessa morte mais
suave do que o sono:
a pausa dos sentidos,
satisfeita.
Então a paz se
instaura. A paz dos deuses,
estendidos na cama,
qual estátuas
vestidas de suor,
agradecendo
o que a um deus
acrescenta o amor terrestre.
Amantes
(Tomasz Rut: pintor
polonês)
Referência:
ANDRADE, Carlos Drummond de. Amor –
pois que é palavra essencial. In: __________. O amor natural. São Paulo, SP: Círculo do Livro, 1992. p. 15-17.
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário