Reconhecendo a impossibilidade de se
ter certeza absoluta sobre as coisas do mundo, Abse, galês de origem judaica,
partiu de estudos médicos para ancorar na literatura. Tal como ao
fim da vida se identificava, tornou-se um poeta que assumiu a medicina como um hobby sério.
Sua poesia se desenvolve em dualidades –
adormecer/despertar, certeza/incerteza, permanência/impermanência e por aí vai –,
para, pouco a pouco, acercar-se dos mistérios do universo, deixando transparecer as premissas da inescapável vulnerabilidade humana.
J.A.R. – H.C.
Dannie Abse
(1923-2014)
Mysteries
At night, I do not
know who I am
when I dream, when I
am sleeping.
Awakened, I hold my
breath and listen:
a thumbnail scratches
the other side of the wall.
At midday, I enter a
sunlit room
to observe the
lamplight on for no reason.
I should know by now
that few octaves can be heard,
that a vision dies
from being too long stared at;
that the whole of
recorded history even
is but a little
gossip in a great silence;
that a magnesium
flash cannot illumine,
for one single
moment, the invisible.
I do not complain. I
start with the visible
and am startled by
the visible.
Da série “Helga”
(Andrew Wyeth: pintor
norte-americano)
Mistérios
À noite, não sei quem
sou
quando sonho, quando
estou dormindo.
Desperto, susto minha
respiração e escuto:
uma unha do polegar
arranha o outro lado da parede.
Ao meio-dia, entro
numa sala iluminada pelo sol
para observar a luz
da lâmpada acesa sem qualquer motivo.
Por ora, eu deveria
saber que poucas oitavas podem ser ouvidas,
que uma visão se
extingue ao se olhar fixamente por muito tempo;
que toda a história
registrada não é mais
que um pequeno falatório
num grande silêncio;
que um flash de
magnésio não pode iluminar,
por um só instante, o
invisível.
Não lamento. Eu
começo com o visível
e por ele sou surpreendido.
Referência:
ABSE, Dannie. Mysteries. In: BENSON,
Gerard; CHERNAIK, Judith; HERBERT, Cicely (Eds.). Best poems on the
underground. 1st. publ. London, EN: Weidenfeld & Nicolson, 2009. p. 3.
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