Num ponto para além do momento em que o
poeta já havia disparado uma bala contra si próprio, desistiu ele de se matar, mas
já era tarde. Sua existência, por conseguinte, tornou-se um “desexistir”, pois
tudo fora lançado ao ar, ou melhor, dinamitado: pontes, estradas, memórias,
cartas, quaisquer saídas!
Barbosa, claro, está de brincadeira:
pois se houvesse, de fato, disparado uma “auto-bala”, não estaria nem aqui para
nos propor o poema. No fundo, trata-se de uma metáfora a um ‘modus vivendi’ sob
o qual se morre um pouco a cada dia, tão corriqueiro que se torna um hábito.
J.A.R. – H.C.
Frederico Barbosa
(p. 1961)
Desexistir
Quando eu desisti
de me matar
já era tarde.
Desexistir
já era um hábito.
Já disparara
a auto-bala:
cobra cega se comendo
como quem cava
a própria vala.
Já me queimara.
Pontes, estradas,
memórias, cartas,
toda saída
dinamitada.
Quando eu desisti
não tinha volta.
Passara do ponto,
já não era mais
a hora exata.
(Contracorrente,
2000)
Fio de Vida
(Vladimir Kush:
artista russo)
Referência:
BARBOSA, Frederico. Desexistir. In:
ASCHER, Nelson et al. Poetas na biblioteca: antologia. São Paulo, SP:
Fundação Memorial da América Latina, 2001. p. 25.
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