O título deste poema de Ascher – algo
como “regresso ao lar” ou “retorno a casa” – fez-me lembrar a música “Tô Voltando”, dos compositores Paulo César
Pinheiro e Maurício Tapajós, sucesso na voz da cantora Simone, lá pelo final
dos anos 70.
Se formos ao estrangeiro e, depois de
longo tempo, retornamos ao Brasil, perceberemos com mais clareza o que é ser e
estar no Pindorama, esta mistura sócio-cultural apenas hipoteticamente
amistosa. Tudo muito falso como um pastiche – uma fantasia sobre o corpo e a
alma que perdura por 365 dias a cada ano: o país do carnaval!
J.A.R. – H.C.
Apreciação da Obra do
Autor
por Manuel da Costa
Pinto
(PINTO, 2006, p. 35-36)
O próprio Nelson Ascher definiu sua
poética como “cominação sui generis de parnasianismo e concretismo. A
frase, obviamente, é irônica. Como afinal conciliar o culto parnasiano do verso
perfeitamente metrificado e da forma fixa (em especial o soneto) com a
dissolução do verso proposta pelos concretistas (cuja ruptura dos limites
formais atinge não apenas a estrutura do poema, mas a própria palavra,
decomposta em grafemas e fonemas, letras e sons)? Entretanto, o parnasianismo
de Ascher não é aquele de Olavo Bilac (1865-1918), e sim o “parnaso-simbolismo”
de Augusto dos Anjos (1884-1914), poeta crepuscular que aliava a obsessão pelo
morte a um discurso cientificista atravessado por imagens de vísceras e corpos
em putrefação. Da mesma maneira, seu concretismo não significa a adesão a pontos
ou restrições programáticos, mas uma atenção àqueles elementos composicionais
mínimos, cuja “concretude” faz do poema “uma hesitação prolongada entre o som e
o sentido” – segundo a fórmula do escritor francês Paul Valéry (1871-1945).
Tradutor notável, que num livro como Poesia
Alheia (Imago, 1998) consegue recriar em português o efeito poético de
composições em inglês, espanhol, francês, italiano e húngaro, entre outras
línguas, Ascher utiliza sua consciência metódica dos procedimentos poéticos
para criar peças de efeito humorístico e de uma sátira não raro desesperada. Os
textos aqui reunidos trazem seu fascínio pelo mórbido e pelo abjeto. No poema “São
Paulo”, por exemplo, ele compara o “subarremedo de urbe” paulistana ao “úbere
dum rato”, mas não consegue deixar de se alimentar da cidade, “feito abutre/
doentio que, sem cessar,/ vomita mas se nutre do/ seu vômito”. A produção recente
de Ascher traz, em relação a seus livros anteriores, um aguçamento do olhar
crítico sobre a realidade, como nos poemas “Encontros” e “Homecoming” – que
flagram a violência e os mecanismos sociais que se escondem atrás da fachada da
cordialidade brasileira. Isso ocorre sem prejuízo de uma cadência hipnotizante,
que de repente é interrompida por quebras de palavras e interpolações
sintáticas que expõem o cálculo do poema.
Principais Obras: O
Sonho da Razão (Editora 34, 1993), Algo de Sol (Editora 34, 1996), Parte
Alguma (Companhia das Letras, 2005).
(n. 1958)
Homecoming
Estar em meu país
é deduzir num golpe
de vista quem é o
quê,
se gay ou se opus
dei,
mas isto ainda é
fácil,
algo exequível quer
nos parques, quer nos
becos
de Osasco ou nos de
Osaka.
Estar em meu país
é ser, desde o
primário,
íntimo de alguém
antes
de ser-lhe
apresentado,
mas isto, num país
mais incestuoso até
do que a menor das
tribos
perdidas, ainda é
fácil.
Estar em meu país
é de antemão poder
dizer quem faz o quê
e o que faria caso
pudesse, mas às vezes
parece (e constatá-lo
é fácil) que não há
ninguém fazendo nada.
Estar em meu país
é tanto intuir sem
dúvida
quem é quem como ver
quem quer passar por
quem,
embora, a rigor, isto
talvez se deva à
idade
e, após alguma
prática,
nem chegue a ser
difícil.
Estar em meu país,
mais que saber por
que
qualquer estranho
pensa
saber tudo o que
penso,
tem algo mais difícil
que o dom fácil de sempre
frustrá-lo e é
simplesmente
estar em meu país.
De: “Parte Alguma”
(2005)
Homecoming
(Winslow Homer:
pintor norte-americano)
Referência:
ASCHER, Nelson. Homecoming. In: PINTO,
Manuel da Costa (Seleção e organização). Antologia comentada da poesia
brasileira do século 21. São Paulo, SP: Publifolha, 2006. p. 33-34.
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