Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 10 de abril de 2017

Nelson Ascher - Homecoming ‎

O título deste poema de Ascher – algo como “regresso ao lar” ou “retorno a casa” – fez-me lembrar a música “Tô Voltando”, dos compositores Paulo César Pinheiro e Maurício Tapajós, sucesso na voz da cantora Simone, lá pelo final dos anos 70.

Se formos ao estrangeiro e, depois de longo tempo, retornamos ao Brasil, perceberemos com mais clareza o que é ser e estar no Pindorama, esta mistura sócio-cultural apenas hipoteticamente amistosa. Tudo muito falso como um pastiche – uma fantasia sobre o corpo e a alma que perdura por 365 dias a cada ano: o país do carnaval!

J.A.R. – H.C.

Apreciação da Obra do Autor
por Manuel da Costa Pinto
(PINTO, 2006, p. 35-36)

O próprio Nelson Ascher definiu sua poética como “cominação sui generis de parnasianismo e concretismo. A frase, obviamente, é irônica. Como afinal conciliar o culto parnasiano do verso perfeitamente metrificado e da forma fixa (em especial o soneto) com a dissolução do verso proposta pelos concretistas (cuja ruptura dos limites formais atinge não apenas a estrutura do poema, mas a própria palavra, decomposta em grafemas e fonemas, letras e sons)? Entretanto, o parnasianismo de Ascher não é aquele de Olavo Bilac (1865-1918), e sim o “parnaso-simbolismo” de Augusto dos Anjos (1884-1914), poeta crepuscular que aliava a obsessão pelo morte a um discurso cientificista atravessado por imagens de vísceras e corpos em putrefação. Da mesma maneira, seu concretismo não significa a adesão a pontos ou restrições programáticos, mas uma atenção àqueles elementos composicionais mínimos, cuja “concretude” faz do poema “uma hesitação prolongada entre o som e o sentido” – segundo a fórmula do escritor francês Paul Valéry (1871-1945).
Tradutor notável, que num livro como Poesia Alheia (Imago, 1998) consegue recriar em português o efeito poético de composições em inglês, espanhol, francês, italiano e húngaro, entre outras línguas, Ascher utiliza sua consciência metódica dos procedimentos poéticos para criar peças de efeito humorístico e de uma sátira não raro desesperada. Os textos aqui reunidos trazem seu fascínio pelo mórbido e pelo abjeto. No poema “São Paulo”, por exemplo, ele compara o “subarremedo de urbe” paulistana ao “úbere dum rato”, mas não consegue deixar de se alimentar da cidade, “feito abutre/ doentio que, sem cessar,/ vomita mas se nutre do/ seu vômito”. A produção recente de Ascher traz, em relação a seus livros anteriores, um aguçamento do olhar crítico sobre a realidade, como nos poemas “Encontros” e “Homecoming” – que flagram a violência e os mecanismos sociais que se escondem atrás da fachada da cordialidade brasileira. Isso ocorre sem prejuízo de uma cadência hipnotizante, que de repente é interrompida por quebras de palavras e interpolações sintáticas que expõem o cálculo do poema.
Principais Obras: O Sonho da Razão (Editora 34, 1993), Algo de Sol (Editora 34, 1996), Parte Alguma (Companhia das Letras, 2005).

Nelson Ascher
(n. 1958)

Homecoming

Estar em meu país
é deduzir num golpe
de vista quem é o quê,
se gay ou se opus dei,

mas isto ainda é fácil,
algo exequível quer
nos parques, quer nos becos
de Osasco ou nos de Osaka.

Estar em meu país
é ser, desde o primário,
íntimo de alguém antes
de ser-lhe apresentado,

mas isto, num país
mais incestuoso até
do que a menor das tribos
perdidas, ainda é fácil.

Estar em meu país
é de antemão poder
dizer quem faz o quê
e o que faria caso

pudesse, mas às vezes
parece (e constatá-lo
é fácil) que não há
ninguém fazendo nada.

Estar em meu país
é tanto intuir sem dúvida
quem é quem como ver
quem quer passar por quem,

embora, a rigor, isto
talvez se deva à idade
e, após alguma prática,
nem chegue a ser difícil.

Estar em meu país,
mais que saber por que
qualquer estranho pensa
saber tudo o que penso,

tem algo mais difícil
que o dom fácil de sempre
frustrá-lo e é simplesmente
estar em meu país.

De: “Parte Alguma” (2005)

Homecoming
(Winslow Homer: pintor norte-americano)

Referência:

ASCHER, Nelson. Homecoming. In: PINTO, Manuel da Costa (Seleção e organização). Antologia comentada da poesia brasileira do século 21. São Paulo, SP: Publifolha, 2006. p. 33-34.

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