Almeida retrata, em versos com
tendência simbolista, a paisagem urbana elegante de São Paulo no início do
século passado, nomeadamente o espaço demarcado pela Praça da República, com os
seus plátanos.
São seis estrofes em que o olhar do
poeta se estende sobre a mulher que está à sua frente, vagando ao longo da
alameda, com o seu “turbilhão de seda” e “sedução fugace”, mal tocando o chão,
inspirando-lhe um desejo por algo, digamos assim, bem esquivo, a um só tempo
tão perto e tão distante...
J.A.R. – H.C.
Guilherme de Almeida
(1890-1969)
A Exaltação dos
Sentidos
O outono despe os
plátanos, tecendo,
ao longo da alameda,
uma complicação de
talagarça...
Maquinalmente estendo
o olhar vadio: um
turbilhão de seda
foge, num passo
elástico de garça.
Sigo a silhueta: a
curva ágil do salto
toca, leve, o betume.
Sigo-a... e, seguindo
a sedução fugace
daquela flor do asfalto,
embriaga-me um
anônimo perfume
que é como um beijo
que se evaporasse...
Alcanço-a, falo. E
ela responde, a esmo,
qualquer coisa que
tange
no bojo azul da tarde
de opala...
E eu não distingo
mesmo
se é sua voz de
tafetá que range,
seco ranger do
vestido que me fala,
Toco-a de levo e com
unção tamanha
– a unção que o outono evoca –
que sinto apenas que
por mim perpassa
a sensação estranha
que acaricia os dedos
de quem toca
um pensamento, um
sonho, uma fumaça...
Beijo-a: sinto um
sabor inédito e acre.
E beijando-a, parece
que a não beijei, mas
que a provei... É como
se uma flor cor de
lacre
houvesse haurido o
pólen ou tivesse
mordido a polpa
histérica de um pomo.
Deixo-a... Eu nunca
supus que, eternamente,
meus olhos, meu
olfato,
meu paladar, meu tato
e meus ouvidos
sentiriam somente
essa que hoje e o meu
êxtase insensato
e a eterna exaltação
dos meus sentidos!
Grandes Plátanos
(Vincent van Gogh:
pintor holandês)
Referência:
ALMEIDA, Guilherme de. A exaltação dos
sentidos. In: __________. Toda a poesia. Tomo II. Messidor. A dança das
horas (1918-1919). São Paulo, SP: Livraria Martins Editora, 1952. p. 91-93.
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