Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 27 de abril de 2017

Guilherme de Almeida - A Exaltação dos Sentidos

Almeida retrata, em versos com tendência simbolista, a paisagem urbana elegante de São Paulo no início do século passado, nomeadamente o espaço demarcado pela Praça da República, com os seus plátanos.

São seis estrofes em que o olhar do poeta se estende sobre a mulher que está à sua frente, vagando ao longo da alameda, com o seu “turbilhão de seda” e “sedução fugace”, mal tocando o chão, inspirando-lhe um desejo por algo, digamos assim, bem esquivo, a um só tempo tão perto e tão distante...

J.A.R. – H.C.

Guilherme de Almeida
(1890-1969)

A Exaltação dos Sentidos

O outono despe os plátanos, tecendo,
ao longo da alameda,
uma complicação de talagarça...
Maquinalmente estendo
o olhar vadio: um turbilhão de seda
foge, num passo elástico de garça.

Sigo a silhueta: a curva ágil do salto
toca, leve, o betume.
Sigo-a... e, seguindo a sedução fugace
daquela flor do asfalto,
embriaga-me um anônimo perfume
que é como um beijo que se evaporasse...

Alcanço-a, falo. E ela responde, a esmo,
qualquer coisa que tange
no bojo azul da tarde de opala...
E eu não distingo mesmo
se é sua voz de tafetá que range,
seco ranger do vestido que me fala,

Toco-a de levo e com unção tamanha
– a unção que o outono evoca –
que sinto apenas que por mim perpassa
a sensação estranha
que acaricia os dedos de quem toca
um pensamento, um sonho, uma fumaça...

Beijo-a: sinto um sabor inédito e acre.
E beijando-a, parece
que a não beijei, mas que a provei... É como
se uma flor cor de lacre
houvesse haurido o pólen ou tivesse
mordido a polpa histérica de um pomo.

Deixo-a... Eu nunca supus que, eternamente,
meus olhos, meu olfato,
meu paladar, meu tato e meus ouvidos
sentiriam somente
essa que hoje e o meu êxtase insensato
e a eterna exaltação dos meus sentidos!

Grandes Plátanos
(Vincent van Gogh: pintor holandês)

Referência:

ALMEIDA, Guilherme de. A exaltação dos sentidos. In: __________. Toda a poesia. Tomo II. Messidor. A dança das horas (1918-1919). São Paulo, SP: Livraria Martins Editora, 1952. p. 91-93.

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