O poeta – como se diria? – mais parece
uma criatura que pertence a outro planeta, tamanha a sua propensão a ver coisas
para além das paisagens que, aos simples mortais, limitam-se àquelas lobrigadas
pelo sentido da visão.
Assim, de um gato a cortar o caminho
do vate, imagina este que, ante a incomunicabilidade e a solidão que a ambos singularizam,
bem podem ter sido criados por deuses distintos. Passamos desse modo, ainda que
por simples diversão, de um universo hipoteticamente criado por um único Deus, para
outro no qual, sobre um mesmo solo, convivem seres gerados por múltiplas
deidades...
J.A.R. – H.C.
Mario Quintana
(1906-1994)
O Gato
O gato chega à porta
do quarto onde escrevo.
Entrepara... hesita...
avança...
Fita-me.
Fitamo-nos.
Olhos nos olhos...
Quase com terror!
Como duas criaturas
incomunicáveis e solitárias
Que fossem feitas
cada uma por um Deus diferente.
Em: Preparativos de
Viagem (1987)
Tarde de Domingo
(Edward Thompson Davis:
pintor inglês)
Referência:
QUINTANA, Mario. O gato. In:
__________. Quintana de bolso: rua dos cataventos & outros poemas.
Seleção de Sergio Faraco. Porto Alegre, RS: L&PM, 2015. p. 125. (Coleção
‘L&PM Pocket’, v. 71)
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