Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 3 de abril de 2017

Francesco Petrarca - Dois Sonetos

O grande poeta italiano discorre como poucos sobre os profundos sentimentos do amor, suas dores, o enlevo que encerra, a paixão idealizada que nutria por Laura, sua musa, tudo isso numa paixão humana, demasiado humana...

No “Cancioneiro”, de onde foram extraídos os dois sonetos abaixo transcritos, há valores religiosos mesclados com outros seculares, tudo vazado num texto cujos temas variam do desejo – afinal, nele são notórios os sentimentos terrenos e eróticos – ao isolamento, do amor não correspondido à vaidade da juventude, da natureza à passagem do tempo – de onde, por fim, se extraem as experiências opostas do prazer e da dor, da alegria e da tristeza, da esperança e do desespero.

J.A.R. – H.C.

Francesco Petrarca
(1304-1374)

Sonetto nº 3

Era il giorno ch’al sol si scoloraro
per la pietà del suo factore i rai,
quando i’ fui preso, et non me ne guardai,
ché i be’ vostr’occhi, donna, mi legaro.

Tempo non mi parea da far riparo
contra colpi d’Amor: però m’andai
secur, senza sospetto; onde i miei guai
nel commune dolor s’incominciaro.

Trovommi Amor del tutto disarmato
et aperta la via per gli occhi al core,
che di lagrime son fatti uscio et varco:

però al mio parer non li fu honore
ferir me de saetta in quello stato,
a voi armata non mostrar pur l’arco.

Diz Mal do Amor que o Feriu 
Inesperadamente

Era o dia em que o sol escurecia
Os raios por piedade ao seu Fator,
Quando eu me vi submisso ao vivo ardor
De teu formoso olhar que me prendia.

Defender-me do golpe eu não queria;
Desabrigado achou-me então Amor;
Por isso acrescentou-se a minha dor
À dor universal que assaz crescia.

Achou-me Amor de todo desarmado,
Pelos olhos, ao peito aberta a estrada,
Olhos que se fizeram mar de pranto.

Porém a sua ação não o honra tanto:
Ferir-me, sendo inerme o meu estado,
Não te visar quando eras tão armada.

A Dor do Amor
(William-Adolphe Bouguereau: pintor francês)

Sonetto nº 132

S’amor non è, che dunque è quel ch’io sento?
Ma s’egli è amor, perdio, che cosa et quale?
Se bona, onde l’effecto aspro mortale?
Se ria, onde sí dolce ogni tormento?

S’a mia voglia ardo, onde ’l pianto e lamento?
S’a mal mio grado, il lamentar che vale?
O viva morte, o dilectoso male,
come puoi tanto in me, s’io no ’l consento?

Et s’io ’l consento, a gran torto mi doglio.
Fra sí contrari vènti in frale barca
mi trovo in alto mar senza governo,

sí lieve di saver, d’error sí carca
ch’i’ medesmo non so quel ch’io mi voglio,
et tremo a mezza state, ardendo il verno.

Fala dos Efeitos Contrários do Amor

Se amor não é qual é este sentimento?
Mas se é amor, por Deus, que coisa é a tal?
Se boa por que tem ação mortal?
Se má por que é tão doce o seu tormento?

Se eu ardo por querer por que o lamento?
Se sem querer o lamentar que val?
Ó viva morte, ó deleitoso mal,
Tanto podes sem meu consentimento.

E se eu consinto sem razão pranteio.
A tão contrário vento em frágil barca,
Eu vou para o alto mar e sem governo.

É tão grave de error, de ciência é parca
Que eu mesmo não sei bem o que eu anseio
E tremo em pleno estio e ardo no inverno.

Referências:

Em Italiano

PETRARCA, Francesco. Sonetto n. 3 / Sonetto n. 132 . In: __________. Il canzoniere. A cura di Giancarlo Contini. Torino, IT: Einaudi, 1964. Sonetto n. 3: p. 3. Sonetto n. 132: p. 177. Disponível neste endereço. Acesso em: 30 mar. 2017. (Letteratura italiana Einaudi)

Em Português

PETRARCA, Francesco. Diz mal do amor que o feriu inesperadamente / Fala dos efeitos contrários do amor. Tradução de Jamil Almansur Haddad. In: JACKSON, W. M., INC. (Eds.). Tesouro da juventude: livro da poesia. São Paulo, SP: Gráfica Editora Brasileira Ltda., 1955. Vol. VI, p. 316.

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