Um poema engraçado, a contar uma historinha de indignação: como cantar
loas à rosa, se, bem ao lado do poeta, existe um mundo de misérias, a clamar por
ações imediatas?
Apesar de sua aparente inocência, o dilema retratado é bastante atual neste
Brasil de desigualdades: uma elite egoísta e reacionária – representada por
seus políticos sem nenhum compromisso com o país, pela velha e desonesta mídia
(Globo, Veja, Folha de São Paulo, Estadão etc.), e pela minoria da população a
usufruir as benesses da Casa-Grande – que pouco se importa com o Estado Democrático de Direito, mesmo porque o Direito também é ideologia –, tudo em desfavor da Senzala!
Basta ver o recente golpe perpetrado
contra o poder, e a justiça togada com os seus canalhas (aqui em Brasília, como
no Paraná e em São Paulo), ali instalados para defender os direitos do escol a
que pertencem e, com isso, fazer política da pior espécie para os seus
favorecidos...
J.A.R. – H.C.
Vinicius de Moraes
(1913-1980)
O Poeta e a Rosa
E com direito a
passarinho
Ao ver uma rosa
branca
O poeta disse: Que
linda!
Cantarei sua beleza
Como ninguém nunca
ainda!
Qual não é sua
surpresa
Ao ver, à sua oração
A rosa branca ir
ficando
Rubra de indignação.
É que a rosa, além de
branca
(Diga-se isso a bem
da rosa...)
Era da espécie mais
franca
E da seiva mais
raivosa.
– Que foi? – balbucia
o poeta.
E a rosa: – Calhorda
que és!
Para de olhar para
cima!
Mira o que tens a
teus pés!
E o poeta vê uma
criança
Suja, esquálida,
andrajosa
Comendo um torrão da
terra
Que dera existência à
rosa.
– São milhões! – a
rosa berra
Milhões a morrer de
fome
E tu, na tua vaidade
Querendo usar do meu
nome!...
E num acesso de ira
Arranca as pétalas,
lança-as
Fora, como a dar
comida
A todas essas
crianças.
O poeta baixa a
cabeça.
– É aqui que a rosa
respira...
Geme o vento. Morre a
rosa.
E um passarinho que
ouvira
Quietinho toda a
disputa
Tira do galho uma
reta
E ainda faz um
cocozinho
Na cabeça do poeta.
Rio, 1959
Flor da Manhã
(Vladimir Kush:
artista russo)
Referência:
MORAES, Vinicius. O poeta e a rosa. In:
__________. Para viver um grande amor:
1962. 2. reimpressão. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2010. p. 103-104.
(Coleção ‘Vinicius de Moraes’; Coordenação Editorial de Eucanaã Ferraz)
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