Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 2 de março de 2017

Vinicius de Moraes - O Poeta e a Rosa

Um poema engraçado, a contar uma historinha de indignação: como cantar loas à rosa, se, bem ao lado do poeta, existe um mundo de misérias, a clamar por ações imediatas?

Apesar de sua aparente inocência, o dilema retratado é bastante atual neste Brasil de desigualdades: uma elite egoísta e reacionária – representada por seus políticos sem nenhum compromisso com o país, pela velha e desonesta mídia (Globo, Veja, Folha de São Paulo, Estadão etc.), e pela minoria da população a usufruir as benesses da Casa-Grande – que pouco se importa com o Estado Democrático de Direito, mesmo porque o Direito também é ideologia , tudo em desfavor da Senzala!

Basta ver o recente golpe perpetrado contra o poder, e a justiça togada com os seus canalhas (aqui em Brasília, como no Paraná e em São Paulo), ali instalados para defender os direitos do escol a que pertencem e, com isso, fazer política da pior espécie para os seus favorecidos...

J.A.R. – H.C.

Vinicius de Moraes
(1913-1980)

O Poeta e a Rosa
E com direito a passarinho

Ao ver uma rosa branca
O poeta disse: Que linda!
Cantarei sua beleza
Como ninguém nunca ainda!

Qual não é sua surpresa
Ao ver, à sua oração
A rosa branca ir ficando
Rubra de indignação.

É que a rosa, além de branca
(Diga-se isso a bem da rosa...)
Era da espécie mais franca
E da seiva mais raivosa.

– Que foi? – balbucia o poeta.
E a rosa: – Calhorda que és!
Para de olhar para cima!
Mira o que tens a teus pés!

E o poeta vê uma criança
Suja, esquálida, andrajosa
Comendo um torrão da terra
Que dera existência à rosa.

– São milhões! – a rosa berra
Milhões a morrer de fome
E tu, na tua vaidade
Querendo usar do meu nome!...

E num acesso de ira
Arranca as pétalas, lança-as
Fora, como a dar comida
A todas essas crianças.

O poeta baixa a cabeça.
– É aqui que a rosa respira...
Geme o vento. Morre a rosa.
E um passarinho que ouvira

Quietinho toda a disputa
Tira do galho uma reta
E ainda faz um cocozinho
Na cabeça do poeta.

Rio, 1959

Flor da Manhã
(Vladimir Kush: artista russo)

Referência:

MORAES, Vinicius. O poeta e a rosa. In: __________. Para viver um grande amor: 1962. 2. reimpressão. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2010. p. 103-104. (Coleção ‘Vinicius de Moraes’; Coordenação Editorial de Eucanaã Ferraz)

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