A postagem de hoje remete à lavra do mineiro Heitor de Oliveira Lima,
poeta e advogado (1887-1945), autor de um único livro, qual seja, “Primeiros
Poemas”, de 1915, com suas criações que vieram à luz entre 1903 e 1914.
O motivo do poema evoca, de certa forma, alguns provérbios de
Salomão, com um nítido componente prescritivo, no intento de prover o
espírito humano de força suficiente para levar a vida de um modo correto, ainda
que submetido às dores de blasfêmias e insultos.
J.A.R. – H.C.
As Respigadoras
(Jean-François Millet:
pintor francês)
Da Terra ao Céu
Ser raiz é ser bom. É
viver sem vaidade,
É sofrer sem
blasfêmia, é morrer sem terror.
É combater o mal,
sabendo que há de
Sucumbir ao furor da
tempestade,
Para ressuscitar, um
dia, triunfador.
Todo aquele que luta,
abraçando o partido
Da Virtude, e
cultuando a Justiça e o Dever,
E, passada a peleja,
combalido,
À terra volta, odiado
e encarnecido –
É Raiz: algum tempo
há de reverdecer.
Todo aquele que deixa
os mundanos tumultos
Pela meditação –
misterioso crisol –
E leis formula à
ciência, e dos estultos
Tem, no transe final,
mofas e insultos –
É Raiz: subirá para a
glória do sol.
Todo aquele que,
insone e em febre, as noites vela,
Na tortura inaudita e
suprema do Ideal,
E, no verso, no
mármore, na tela,
Na pauta vibra a
perfeição revela –
É Raiz: há de ser, ao
Sonho, pedestal.
Todo aquele que sente
o indizível encanto
Dessa alucinação que
é ser amado e amar,
E sofre, e quer o
próprio mal, contanto
Que o olhar querido não
se afogue em pranto –
É Raiz: errará, feito
perfume, a ar.
Todo aquele que, em
face à indigência, que implora,
Detém o passo, escuta
o rogo, estende a mão,
E. consolando,
comovido embora,
Num furtivo carinho
se demora –
É Raiz: será sombra,
almas o bendirão.
Todo aquele, afinal,
que, injuriado, abençoa
A dor de cada insulto
e de cada labéu,
E, a sofrer e a
sangrar, cinge a coroa
De todos os martírios
– mas perdoa –
É Raiz: será fronde,
há de chegar ao céu.
Glória de Santos
(Corrado Giaquinto:
pintor italiano)
Referência:
LIMA, Heitor de Oliveira. Da terra ao
céu. In: __________. Primeiros poemas.
Rio de Janeiro: Typ. Baptista de Souza, 1915. p. 37-39.
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