Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 16 de março de 2017

Heitor Lima - Da Terra ao Céu

A postagem de hoje remete à lavra do mineiro Heitor de Oliveira Lima, poeta e advogado (1887-1945), autor de um único livro, qual seja, “Primeiros Poemas”, de 1915, com suas criações que vieram à luz entre 1903 e 1914.

O motivo do poema evoca, de certa forma, alguns provérbios de Salomão, com um nítido componente prescritivo, no intento de prover o espírito humano de força suficiente para levar a vida de um modo correto, ainda que submetido às dores de blasfêmias e insultos.

J.A.R. – H.C.

As Respigadoras
(Jean-François Millet: pintor francês)

Da Terra ao Céu

Ser raiz é ser bom. É viver sem vaidade,
É sofrer sem blasfêmia, é morrer sem terror.
É combater o mal, sabendo que há de
Sucumbir ao furor da tempestade,
Para ressuscitar, um dia, triunfador.

Todo aquele que luta, abraçando o partido
Da Virtude, e cultuando a Justiça e o Dever,
E, passada a peleja, combalido,
À terra volta, odiado e encarnecido –
É Raiz: algum tempo há de reverdecer.

Todo aquele que deixa os mundanos tumultos
Pela meditação – misterioso crisol –
E leis formula à ciência, e dos estultos
Tem, no transe final, mofas e insultos –
É Raiz: subirá para a glória do sol.

Todo aquele que, insone e em febre, as noites vela,
Na tortura inaudita e suprema do Ideal,
E, no verso, no mármore, na tela,
Na pauta vibra a perfeição revela –
É Raiz: há de ser, ao Sonho, pedestal.

Todo aquele que sente o indizível encanto
Dessa alucinação que é ser amado e amar,
E sofre, e quer o próprio mal, contanto
Que o olhar querido não se afogue em pranto –
É Raiz: errará, feito perfume, a ar.

Todo aquele que, em face à indigência, que implora,
Detém o passo, escuta o rogo, estende a mão,
E. consolando, comovido embora,
Num furtivo carinho se demora –
É Raiz: será sombra, almas o bendirão.

Todo aquele, afinal, que, injuriado, abençoa
A dor de cada insulto e de cada labéu,
E, a sofrer e a sangrar, cinge a coroa
De todos os martírios – mas perdoa –
É Raiz: será fronde, há de chegar ao céu.

Glória de Santos
(Corrado Giaquinto: pintor italiano)

Referência:

LIMA, Heitor de Oliveira. Da terra ao céu. In: __________. Primeiros poemas. Rio de Janeiro: Typ. Baptista de Souza, 1915. p. 37-39.

Nenhum comentário:

Postar um comentário