Simic, nascido em Belgrado (atual
Sérvia) e naturalizado norte-americano, faz a apologia da simplicidade,
metaforizada na figura trivial de um par de sapatos, cujos adjetivos falam
muito de sua história: secretos, desdentados, decompostos, humildes, maternais,
pacientes e por aí vai...
O autor afirma que tudo aquilo que lhe
aconteceu em vida, até aqui, está sumarizado no estado em que se encontram os sapatos
que vão em seus pés, os quais resistem às provas a que ele os submete: seus
velhos sapatos conformam a única verdade que se assemelha ao próprio poeta.
J.A.R. – H.C.
Charles Simic
(n. 1938)
My Shoes
Shoes, secret face of
my inner life:
Two gaping toothless
mouths,
Two partly decomposed
animal skins
Smelling of mice nests.
My brother and sister
who died at birth
Continuing their
existence in you,
Guiding my life
Toward their
incomprehensible innocence.
What use are books to
me
When in you it is
possible to read
The Gospel of my life
on earth
And still beyond, of
things to come?
I want to proclaim
the religion
I have devised for
your perfect humility
And the strange
church I am building
With you as the
altar.
Ascetic and maternal,
you endure:
Kin to oxen, to
Saints, to condemned men,
With your mute
patience, forming
The only true
likeness of myself.
Sapatos
(Vincent van Gogh:
pintor holandês)
Meus Sapatos
Sapatos, rosto
secreto de minha vida interior:
Duas bocas
desdentadas e escancaradas,
Duas peles de animal
parcialmente decompostas
Cheirando a ninhos de
ratos.
Meus irmão e irmã que
morreram ao nascer
Continuam a existir
em vós,
Guiando minha vida
Até a sua
incompreensível existência.
De que me servem os
livros
Quando em vós é
possível ler
O Evangelho de minha
vida na terra
E mais além, das
coisas ainda por vir?
Quero proclamar a
religião
Que idealizei para a
vossa perfeita humildade,
E a estranha igreja
que estou construindo
Da qual sois o altar.
Ascéticos e
maternais, vós resistis:
Tal como os bois, os
santos, os homens condenados,
Com vossa muda
paciência, dais forma
À única verdade que
se assemelha a mim mesmo.
Referência:
SIMIC, Charles. My shoes. In: McCLATCHY, J. D. (Ed.). The
vintage book of contemporary american poetry. 2nd ed. New York, NY: Vintage
Books (A Division of Random House Inc.), march 2003. p. 432.
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