Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 26 de março de 2017

Allen Ginsberg - Meu Triste Eu

Neste poema em que Ginsberg se sente “massacrado” pela visão imponente de Manhattan, lá pelos fins da década de 50 do século passado, tem-se um vislumbre mais humano dessa presença sempre rebelde da denominada “Geração Beat” norte-americana.

Mesmo quando descreve o cenário de Nova York a partir do topo do prédio da RCA, o poeta, de fato, atém-se bem mais ao que se passa em seu interno – melancolia, saudades e memórias –, e desse modo tangencia a sempre recorrente ideia de que as grandes cidades, apesar de apinhadas de pessoas, fomentam um onipresente estado de solidão e alheamento.

J.A.R. – H.C.

Allen Ginsberg
(1926-1997)

My Sad Self

To Frank O’Hara (*)

Sometimes when my eyes are red
I go up on top of the RCA Building
and gaze at my world, Manhattan –
my buildings, streets I’ve done feats in,
lofts, beds, coldwater flats
– on Fifth Ave below which I also bear in mind,
its ant cars, little yellow taxis, men
walking the size of specks of wool –
Panorama of the bridges, sunrise over Brooklyn machine,
sun go down over New Jersey where I was born
& Paterson where I played with ants –
my later loves on 15th Street,
my greater loves of Lower East Side,
my once fabulous amours in the Bronx
faraway –
paths crossing in these hidden streets,
my history summed up, my absences
and ecstasies in Harlem –
– sun shining down on all I own
in one eyeblink to the horizon
in my last eternity –
matter is water.

Sad,
I take the elevator and go
down, pondering,
and walk on the pavements staring into all man’s
plateglass, faces,
questioning after who loves,
and stop, bemused
in front of an automobile shopwindow
standing lost in calm thought,
traffic moving up & down 5th Avenue blocks behind me
waiting for a moment when...

Time to go home & cook supper & listen to
the romantic war news on the radio
...all movement stops
& I walk in the timeless sadness of existence,
tenderness flowing thru the buildings,
my fingertips touching reality’s face,
my own face streaked with tears in the mirror
of some window – at dusk –
where I have no desire –
for bonbons – or to own the dresses or Japanese
lampshades of intellection –
Confused by the spectacle around me,
Man struggling up the street
with packages, newspapers,
ties, beautiful suits
toward his desire
Man, woman, streaming over the pavements
red lights clocking hurried watches
movements at the curb –

And all these streets leading
so crosswise, honking, lengthily,
by avenues
stalked by high buildings or crusted into slums
thru such halting traffic
screaming cars and engines
so painfully to this
countryside, this graveyard
this stillness
on deathbed or mountain
once seen
never regained or desired
in the mind to come
where all Manhattan that I’ve seen must disappear.

New York, October 1958

Montanhas de Manhattan
(Colin Campbell Cooper: pintor norte-americano)

Meu Triste Eu

Para Frank O’Hara

Às vezes quando meus tristes olhos estão vermelhos
subo ao topo do prédio da RCA
e contemplo meu mundo, Manhattan –
meu prédio, ruas onde pratiquei façanhas,
coberturas de prédios, camas, apartamentos
sem água quente
– na Quinta Avenida embaixo que também está presente em
minha mente,
seus carros-formiga, pequenos táxis amarelos, homens
que caminham do tamanho de fiapos de lã
Panorama das pontes, nascer do sol sobre a máquina
do Brooklyn,
pôr do sol sobre Nova Jersey onde nasci
& Paterson onde brinquei com formigas –
meus amores mais tarde na 15ª Rua,
meus amores no Baixo East Side,
meus fabulosos amores de outrora no Bronx
distante –
caminhos cruzados nessas ruas escondidas,
minha história recapitulada, minhas ausências
e êxtases no Harlem
– o sol brilhando sobre tudo o que tenho
num pestanejar para o horizonte
na minha última eternidade –
a matéria é água.

Triste,
tomo o elevador e vou
para baixo, pensativo
e caminho pelas calçadas olhando as vidraças
dos homens, os rostos,
querendo saber quem ama
e me detenho atordoado
diante da vitrina da loja de automóveis
parado perdido em pensamentos calmos
o tráfego subindo e descendo pela 5ª Avenida
atrás de mim
esperando por um momento quando...

Hora de ir para casa & preparar o jantar & escutar
as românticas notícias da guerra pelo rádio
...todo movimento para
& eu caminho na tristeza intemporal da existência,
ternura escorrendo entre os prédios,
as pontas dos meus dedos roçando o rosto da
realidade,
meu próprio rosto sulcado de lágrimas no espelho
de alguma vidraça – no crepúsculo –
quando não sinto mais qualquer
desejo –
de bombons – ou de possuir roupas ou as lamparinas
japonesas do intelecto –
Confuso por causa do espetáculo ao meu redor,
o Homem trabalhando nas ruas
com pacotes, jornais
gravatas, ternos maravilhosos
rumo a seu desejo
Homens, mulheres, uma torrente nas ruas
luzes vermelhas disparando apressados relógios &
movimentos nas esquinas –

E todas essas ruas levando,
tão intrincadas, buzinadas, alongadas,
para avenidas
espreitadas pelos altos prédios ou incrustadas nos cortiços
no meio desse trânsito engarrafado
carros e motores que berram
tão dolorosamente até chegar a esse
campo, esse cemitério
essa quietude
de leito de morte ou montanha
já vista
nunca mais reconquistada ou desejada
pela mente que chegará
no dia em que toda Manhattan que eu vi houver desaparecido.

Nova York, outubro de 1958

Nota do Tradutor Claudio Willer:

(*) Frank O’Hara – importante poeta americano, autor do Manifesto Personalista, a quem Ginsberg conhecia desde 1956; morreu prematuramente em um acidente de automóvel em 1966. Foi curador do Museu de Arte de Nova York. Ginsberg chegou a declarar que Frank me ensinou a realmente ver Nova York pela primeira vez, acrescentando que era como ter Catulo a modificar sua vista do Fórum de Roma; daí esse poema sobre Manhattan ser-lhe dedicado (Willer sobre Ginsberg, 2010, p. 223)

Referências:

Em Inglês

GINSBERG, Allen. My sad self. In: McCLATCHY, J. D. (Ed.). The vintage book of contemporary american poetry. 2nd ed. New York, NY: Vintage Books (A Division of Random House Inc.), march 2003. p. 231-233.

Em Português

GINSBERG, Allen. Meu triste eu. Tradução de Claudio Willer. In: __________. Uivo, kaddish e outros poemas. Tradução, seleção e notas de Claudio Willer. 2. ed. Porto Alegre, RS: L&PM, 2010. p. 223-225.

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