Neste poema em que Ginsberg se sente “massacrado”
pela visão imponente de Manhattan, lá pelos fins da década de 50 do século
passado, tem-se um vislumbre mais humano dessa presença sempre rebelde da
denominada “Geração Beat” norte-americana.
Mesmo quando descreve o cenário de Nova York a partir do topo do prédio da RCA, o poeta, de fato, atém-se bem mais ao que se passa em seu interno – melancolia, saudades e memórias –, e
desse modo tangencia a sempre recorrente ideia de que as grandes cidades,
apesar de apinhadas de pessoas, fomentam um onipresente estado de solidão e alheamento.
J.A.R. – H.C.
Allen Ginsberg
(1926-1997)
My Sad Self
To Frank O’Hara (*)
Sometimes when my
eyes are red
I go up on top of the
RCA Building
and gaze at my world,
Manhattan –
my buildings, streets
I’ve done feats in,
lofts, beds,
coldwater flats
– on Fifth Ave below
which I also bear in mind,
its ant cars, little
yellow taxis, men
walking the size of
specks of wool –
Panorama of the
bridges, sunrise over Brooklyn machine,
sun go down over New
Jersey where I was born
& Paterson where
I played with ants –
my later loves on
15th Street,
my greater loves of
Lower East Side,
my once fabulous
amours in the Bronx
faraway –
paths crossing in
these hidden streets,
my history summed up,
my absences
and ecstasies in
Harlem –
– sun shining down on
all I own
in one eyeblink to
the horizon
in my last eternity –
matter is water.
Sad,
I take the elevator
and go
down, pondering,
and walk on the
pavements staring into all man’s
plateglass, faces,
questioning after who
loves,
and stop, bemused
in front of an
automobile shopwindow
standing lost in calm
thought,
traffic moving up
& down 5th Avenue blocks behind me
waiting for a moment
when...
Time to go home &
cook supper & listen to
the romantic war news
on the radio
...all movement stops
& I walk in the timeless
sadness of existence,
tenderness flowing
thru the buildings,
my fingertips
touching reality’s face,
my own face streaked
with tears in the mirror
of some window – at
dusk –
where I have no
desire –
for bonbons – or to
own the dresses or Japanese
lampshades of
intellection –
Confused by the
spectacle around me,
Man struggling up the
street
with packages,
newspapers,
ties, beautiful suits
toward his desire
Man, woman, streaming
over the pavements
red lights clocking hurried
watches
movements at the curb
–
And all these streets
leading
so crosswise,
honking, lengthily,
by avenues
stalked by high buildings
or crusted into slums
thru such halting
traffic
screaming cars and
engines
so painfully to this
countryside, this
graveyard
this stillness
on deathbed or
mountain
once seen
never regained or
desired
in the mind to come
where all Manhattan
that I’ve seen must disappear.
New York, October
1958
Montanhas de
Manhattan
(Colin Campbell
Cooper: pintor norte-americano)
Meu Triste Eu
Para Frank O’Hara
Às vezes quando meus
tristes olhos estão vermelhos
subo ao topo do
prédio da RCA
e contemplo meu
mundo, Manhattan –
meu prédio, ruas onde
pratiquei façanhas,
coberturas de
prédios, camas, apartamentos
sem água quente
– na Quinta Avenida
embaixo que também está presente em
minha mente,
seus carros-formiga,
pequenos táxis amarelos, homens
que caminham do
tamanho de fiapos de lã
Panorama das pontes,
nascer do sol sobre a máquina
do Brooklyn,
pôr do sol sobre Nova
Jersey onde nasci
& Paterson onde
brinquei com formigas –
meus amores mais
tarde na 15ª Rua,
meus amores no Baixo
East Side,
meus fabulosos amores
de outrora no Bronx
distante –
caminhos cruzados
nessas ruas escondidas,
minha história
recapitulada, minhas ausências
e êxtases no Harlem
– o sol brilhando
sobre tudo o que tenho
num pestanejar para o
horizonte
na minha última
eternidade –
a matéria é água.
Triste,
tomo o elevador e vou
para baixo, pensativo
e caminho pelas
calçadas olhando as vidraças
dos homens, os
rostos,
querendo saber quem
ama
e me detenho
atordoado
diante da vitrina da
loja de automóveis
parado perdido em
pensamentos calmos
o tráfego subindo e
descendo pela 5ª Avenida
atrás de mim
esperando por um
momento quando...
Hora de ir para casa
& preparar o jantar & escutar
as românticas
notícias da guerra pelo rádio
...todo movimento
para
& eu caminho na
tristeza intemporal da existência,
ternura escorrendo
entre os prédios,
as pontas dos meus
dedos roçando o rosto da
realidade,
meu próprio rosto
sulcado de lágrimas no espelho
de alguma vidraça –
no crepúsculo –
quando não sinto mais
qualquer
desejo –
de bombons – ou de
possuir roupas ou as lamparinas
japonesas do
intelecto –
Confuso por causa do
espetáculo ao meu redor,
o Homem trabalhando
nas ruas
com pacotes, jornais
gravatas, ternos
maravilhosos
rumo a seu desejo
Homens, mulheres, uma
torrente nas ruas
luzes vermelhas
disparando apressados relógios &
movimentos nas
esquinas –
E todas essas ruas
levando,
tão intrincadas,
buzinadas, alongadas,
para avenidas
espreitadas pelos
altos prédios ou incrustadas nos cortiços
no meio desse
trânsito engarrafado
carros e motores que
berram
tão dolorosamente até
chegar a esse
campo, esse cemitério
essa quietude
de leito de morte ou
montanha
já vista
nunca mais
reconquistada ou desejada
pela mente que
chegará
no dia em que toda
Manhattan que eu vi houver desaparecido.
Nova York, outubro de
1958
Nota do Tradutor Claudio Willer:
(*) Frank O’Hara – importante poeta
americano, autor do Manifesto Personalista, a quem Ginsberg conhecia desde
1956; morreu prematuramente em um acidente de automóvel em 1966. Foi curador do
Museu de Arte de Nova York. Ginsberg chegou a declarar que Frank me ensinou a
realmente ver Nova York pela primeira vez, acrescentando que era como ter
Catulo a modificar sua vista do Fórum de Roma; daí esse poema sobre Manhattan
ser-lhe dedicado (Willer sobre Ginsberg, 2010, p. 223)
Referências:
Em Inglês
GINSBERG, Allen. My sad self. In:
McCLATCHY, J. D. (Ed.). The vintage book of contemporary american poetry.
2nd ed. New York, NY: Vintage Books (A Division of Random House Inc.), march
2003. p. 231-233.
Em Português
GINSBERG, Allen. Meu triste eu.
Tradução de Claudio Willer. In: __________. Uivo, kaddish e outros poemas.
Tradução, seleção e notas de Claudio Willer. 2. ed. Porto Alegre, RS: L&PM,
2010. p. 223-225.
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