Neste longo poema, o poeta lança mão de conceitos originários, em
especial, da geometria e da astronomia, vasto arsenal de representações de
coisas da natureza, modeladas de tal forma que possamos torná-las inteligíveis.
Ao final de seu discurso, Aranha faz menção a fatos da biografia de
Pitágoras que, a conselho de Thales, viajou para o Egito, a fim de receber
ensinamentos sobre os deuses e as filosofias místicas: há mistérios na
matemática do universo...
J.A.R. – H.C.
Luís Aranha
(1901-1987)
Poema Pitágoras
Depois de um quadro
Uma escultura
Depois de uma
escultura
Um quadro
Antianatômico
Risco de vida numa
tela morta
Extravagante
Quisera ser pintor!
Tenho em minha gaveta
esboços de navios
Só consegui marinhas
Somos os primitivos
de uma era nova
Egito arte sintética
Movimento
Exagero de linhas
Baixos relevos de
Tebas e de Mênfis
Ir ao Egito
Como Pitágoras
Filósofo e geômetra
Astrônomo
Talvez achasse o
teorema das hipotenusas e
a tabela da
multiplicação
Não lembro mais
Preciso ir à escola
O céu é um grande
quadro-negro
Para crianças e para
poetas
Circunferência
O círculo da lua
De Vênus traço junto
a ela uma tangente luminosa
que vai tocar algum
planeta ignorado
Uma linha reta
Depois uma
perpendicular
E outra reta
Uma secante
Um setor
Um segmento
Como a Terra que é
redonda e a lua circunferência
há de haver planetas
poliedros planetas cônicos
planetas ovóides
Correndo em paralelas
não se encontram nunca
Trapézios de fogo
Astros descrevem no
céu círculos elipses e parábolas
Os redondos
encontram-se uns aos outros e giram como
rodas dentadas de
máquinas
Sou o centro
Ao redor de mim giram
as estrelas e volteiam os celestes
Todos os mundos são
balões de borracha coloridos
que tenho presos por
cordéis em minhas mãos
Tenho em minhas mãos
o sistema planetário
E como as estrelas
cadentes mudo de lugar frequentemente
A lua por auréola
Estou crucificado no
Cruzeiro
No coração
O amor universal
Glóbulos de fogo
Há astros tetraedros
hexaedros octaedros dodecaedros e icosaedros
Alguns globos de
vidro fosco com luzes dentro
Há também cilindros
Os cônicos unem as
pontas girando ao redor do eixo
comum em sentido
contrário
Prismas truncados
prismas oblíquos e paralelepípedos luminosos
Os corpos celestes
são imensos cristais de rocha
coloridos girando em
todos os sentido
A cabeleira de
Berenice não é uma cabeleira
O Centauro não é
centauro nem o Caranguejo
caranguejo
Música colorida
ressoando nos meus ouvidos de poeta
Orquestra fantástica
Timbales
Os címbalos da lua
Rufa as castanholas
das estrelas!
Elas giram sempre
Furiosamente
Não há estrelas fixas
Os fusos fiam
A abóbada celeste é o
barracão de zinco de uma fábrica imensa
E a lã das nuvens
passa na engrenagem
Trepidações
Meu cérebro e coração
pilhas elétricas
Arcos voltaicos
Estalos
Combinações de idéias
e reações de sentimentos
O céu é uma vasta
sala de química com retortas cadinhos tubos provetas e
todos os
Vasos necessários
Quem me quitaria de
acreditar que os astros são balões de vidros
Cheios de gases leves
que fugiram pelas janelas dos laboratórios
Todos os químicos são
idiotas
Não descobriram nem o
elixir da longa vida nem a pedra filosofal
Só os pirotécnicos
são inteligentes
São mais inteligentes
do que os poetas pois encheram o céu de planetas novos
Multicores
Astros arrebentam
como granadas
Os núcleos caem
Outros sobem da terra
e têm uma vida efêmera
Asteróides
asteriscos,
Rojões de lágrimas
Cometas se desfazem
Fim da existência
Outros encontram como
demônios da idade média e feiticeiras de Sabbath
Fogos de antimônio
fogos de Bengala
Eu também me desfarei
em lágrimas coloridas no meu dia final
Meu coração vagará
pelo céu estrela cadente ou bólido
Estrela inteligente
estrela averroísta
Vertiginosamente
Enrolando-o na
fileira da Via-Láctea
Joguei o pião da
Terra
E ele ronca
O movimento perpétuo
Vejo tudo
Faixas de cores
Mares
Montanhas
Florestas
Numa velocidade
prodigiosa
Todas as cores
sobrepostas
Estou só
Tiritante
De pé sobre a crosta
resfriada
Não há mais vegetação
Nem animais
Como os antigos creio
que a Terra é o centro
A Terra é uma grande
esponja que se embebe das tristezas
do universo
Meu coração é uma
esponja que absorve toda a tristeza da Terra
Bolhas de sabão!
Os telescópios
apontam o céu
Canhões gigantes
De perto
Vejo a lua
Acidentes da crosta
resfriada
O anel de Anaxágoras
O anel de Pitágoras
Vulcões extintos
Perto dela
Uma pirâmide
fosforescente
Pirâmide do Egito que
subiu ao céu
Hoje está incluída no
sistema planetário
Luminosa
Com a rota
determinada por todos os observatórios
Subiu quando a
biblioteca de Alexandria era uma
fogueira iluminando o
mundo
Os crânios antigos
estalam nos pergaminhos que se queimam
Pitágoras a viu ainda
em terra
Viajou no Egito
Viu o rio Nilo os
crocodilos os papiros e as embarcações de sândalo
Viu a esfinge os
obeliscos a sala de Karnak e o boi Apis
Viu a lua dentro do
tanque onde estava o rei Amenemas
Mas não viu a
biblioteca de Alexandria nem as galeras de Cleópatra
nem a dominação dos
ingleses
Maspero acha múmias
E eu não vejo mais
nada
As nuvens apagaram
minha geometria celeste
No quadro negro
Não vejo mais a sua
nem minha pirotécnica planetária
Uma grande pálpebra
azul treme no céu e pisca
Corisco arisco risca
no céu
o barômetro anuncia
chuva
Todos os
observatórios se comunicam pela telegrafia sem fio
Nem penso mais porque
a escuridão da noite tempestuosa
penetra em mim
Não posso matematizar
o universo como os pitagóricos
Estou só
Tenho frio
Não posso escrever os
versos áureos de Pitágoras!...
Concha
(Vladimir Kush:
pintor russo)
Referência:
ARANHA, Luís. Poema Pitágoras. La Colmena. Universidad Autónoma del
Estado de México, México – DF, n. 71; p. 106-111, jul./sep. 2011. Disponível neste
endereço.
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