Com toda plasticidade e cromatismo na linguagem empregada, Mirón, poeta
mexicano, alude neste soneto à ideia do poema como conexa às noções extraídas
do mármore, do laurel e da estrela, enquanto representações, respectivamente,
da estatuária – ofício que, de algum modo, orienta o labor do artista da
palavra –, do arranjo dúctil das coroas apostas à cabeça pelos que alcançam a
vitória e do grau de elevação a ser atingido pelas criações poéticas.
Sem descuidar do elogio à deslumbrante forma como Mirón constrói o seu
soneto, não deixa de causar perplexidade, todavia, a aparente falta de lógica de
seu último terceto: se Deus flutua sobre tudo o quanto existe no universo, seja
esse “tudo”, como se imagina, coisas e seres, poder-se-ia indagar qual seria o “tudo
o mais”, além disso, sobre o qual flutua a ideia! Ou será que a ideia conforma
um domínio no universo, distinto daquele criado pelo Eterno?!...
J.A.R. – H.C.
Salvador Díaz Mirón
(1853-1928)
A las cosas sin alma
Cosas sin alma que os
mostráis á ella
y la servís en
muchedumbre tanta,
¡temblad! La móvil
hora no adelanta
sin imprimiros
destructora huella.
De la materia
resistente y bella
tomad lo que más dura
y más encanta;
si sois piedra, sed mármol;
si sois plata,
sed laurel; si sois
llama, sed estrella.
Mas no espereis la
eternidad. El lodo
se disuelve en la
onda que lo crea;
¡Dios y la idea, por
diverso modo,
pueden sólo flotar en
la marea
del objeto y del ser;
Dios sobre todo,
y sobre todo lo demás
la idea!
Tempestade no Mar da Galileia
(Rembrandt H. van
Rijn: pintor holandês)
Às coisas sem alma
Coisas sem alma, que
a ela vos
mostrais e servis em
profusão tanta,
tremei! A móbil hora
não avança
sem imprimir uma pegada
destruidora.
Da matéria mais
resistente e bela
tomai o que mais dura
e mais encanta;
se sois pedra, sede
mármore; se sois prata,
sede laurel. Se sois
chama, sede estrela.
Mas não espereis pela
eternidade. O lodo
se dissolve na onda
que o cria.
Deus e a ideia, por
modo distinto,
Podem somente flutuar
na maré
do objeto e do ser.
Deus sobre tudo,
e sobre tudo o mais,
a ideia!
Referência:
MIRÓN, Salvador Díaz. A las cosas sin
alma. In: ARDUZ, J. C. Iván Canelas (Ed.). Antología
de la poesía universal. Tomo III. América 2. Oruro, BO: Latinas, 1996. p.
30-31.
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