Uma historinha venturosa de um gato que se põe à janela, desse modo
usufruindo das comodidades da casa de seu dono: tal é o enredo do poema
proposto pelo poeta lusitano Afonso L. Vieira.
A dormir, pensar e sonhar, o gato enrosca-se à vontade ronronando à luz
do sol ou sob o frescor das noites de inverno, sem nutrir inveja de quem quer
que seja, pássaros, cavalos ou peixes – em suma, de quaisquer seres viventes em
ar, terra ou mar!
J.A.R. – H.C.
Afonso Lopes Vieira
(1878-1946)
Retrato de Columbano
Bordalo Pinheiro
O Gato
O gato, à sua janela,
O gato, à sua janela,
ao sol, que brilha
fulgindo,
vai dormindo,
vai pensando
e vai sonhando:
– “Ó minha linda
casinha,
tu és minha, muito
minha,
nem há outra melhor
que ela...”
O gato, à sua janela,
ao sol, que brilha
fulgindo,
vai dormindo,
vai pensando
e vai sonhando:
– Pelas noites de
invernia,
quando o vento, num
lamento,
muito lento, muito
longo,
muito fundo, de
agonia,
ruge e muge,
e a chuva bate à
janela,
nos vidros, fina, a
tinir...
ai como é bom,
ai como é bom dormir
ao serão, todo
enroscado
ao pé do lume
doirado,
fazendo ron-ron-ron-ron...
– “Ó minha linda
casinha,
tu és minha, muito
minha,
nem há outra melhor
que ela...”
O gato, à sua janela,
ao sol, que brilha
fulgindo,
vai dormindo,
vai pensando
e vai sonhando:
– Não tenho inveja a
ninguém:
nem aos pássaros do
ar,
a voar;
nem aos cavalos
saltando,
galopando;
nem aos peixinhos do
mar,
a nadar;
Não tenho inveja a
ninguém
aqui na minha janela,
onde me sinto tão
bem...
– “Ó minha linda
casinha,
tu és minha, muito
minha,
nem há outra melhor
que ela...”
Gato à Janela
(Alexander Gunin:
pintor russo)
Referência:
VIEIRA, Afonso Lopes. O gato. In: JACKSON, W. M., INC. (Eds.). Tesouro da juventude: livro da poesia.
São Paulo, SP: Gráfica Editora Brasileira Ltda., 1956. Vol. X, p. 101.
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Acabo de ouvir, com muito agrado, este poema à porta do mercado de Leiria, por uma voz acompanhada por uma banda de metais. Bom começo de dia.
ResponderExcluirQue ótimo, Irene, começar o dia ao embalo de uma poema!
ExcluirA poesia tem esse dom de tornar os dias mais leves (pelo menos certos tipos de poesia).
Um abraço,
João A. Rodrigues