Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 28 de julho de 2016

Gilberto Mendonça Teles - O Belo

O belo pode ser exprimível de diversas formas. E até objeto de teorias no domínio da Estética. Ou, ainda, ser tema de belas poesias, como neste caso, com quadras rimadas no esquema ‘aa-bb’ e raros versos de treze sílabas.

O poema desenrola-se num repertório de conceitos atinentes ao ideal de beleza, alguns nitidamente tentativos, outros presumidamente já assentados, enovelados com intuições e ânsias do próprio autor, na busca de expressar o que está para além do meramente conspícuo.

J.A.R. – H.C.

Gilberto Mendonça Teles
(n. 1931)

O Belo

Belo é o que me excita à fraude (como em Freud)
do invisível – escrita num céu de celuloide.
O que, chiste ou desejo, se manifesta e cala:
o espelho e seu lampejo, mola solta na mala.

Rampa de mim no mesmo ou no outro que me sobra,
o que ficou a esmo entre o rascunho e a obra,
o belo – esta carência da face mais secreta:
a cena da inocência no aceno do poeta.

Sem lapso de reserva, o seu remorso é tal
que sempre se conserva algum tique ou recalque.
Sem sujeito e cabresto, sem história, sem pecha,
o etc. do texto tem sua própria brecha.

Na sedução do risco há delírios, há febre,
há marcas de algo arisco como pulo de lebre.
Mas só na barra está o avesso delirante:
lá canta o sabiá com seu significante.

Pela palavra do Outro o espírito da letra
se transforma no potro sem falo que penetra
qualquer fenda, de lado, pela cárie do dente,
como um sílex afiado num vão do inconsciente.

Belo é assim o branco de tudo que te escreve,
o fragmento que arranco do silêncio, de leve,
o sonho que te solta de mim, quando perdido,
e no ermo da revolta te dá forma e sentido.

Se é belo o que me falta e me alimenta a gula
da coisa que te exalta e nunca te articula,
é belo o que te embala, o que sempre te mostra
na língua que te fala ou te degusta em ostra.

E mais que tudo é belo o que não vem à tona:
o fantasma e o castelo, os limites da zona
que sempre te reprime e te põe sempre à escuta
da luta do sublime, mas sem sublime e luta.

Cascata
(Daniel F. Gerhartz: pintor norte-americano)

Referência:

TELES, Gilberto Mendonça. O belo. In: __________. Melhores poemas de Gilberto Mendonça Teles. Introdução de Luiz Busatto. 4. ed. São Paulo, SP: Global, 2007. p. 169-170. (Coleção ‘Melhores Poemas’)

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