O belo pode ser exprimível de diversas formas. E até objeto de teorias
no domínio da Estética. Ou, ainda, ser tema de belas poesias, como neste caso,
com quadras rimadas no esquema ‘aa-bb’ e raros versos de treze sílabas.
O poema desenrola-se num repertório de conceitos atinentes ao ideal de
beleza, alguns nitidamente tentativos, outros presumidamente já assentados, enovelados
com intuições e ânsias do próprio autor, na busca de expressar o que está para
além do meramente conspícuo.
J.A.R. – H.C.
Gilberto Mendonça Teles
(n. 1931)
O Belo
Belo é o que me
excita à fraude (como em Freud)
do invisível – escrita num céu de celuloide.
O que, chiste ou
desejo, se manifesta e cala:
o espelho e seu
lampejo, mola solta na mala.
Rampa de mim no mesmo
ou no outro que me sobra,
o que ficou a esmo
entre o rascunho e a obra,
o belo – esta
carência da face mais secreta:
a cena da inocência
no aceno do poeta.
Sem lapso de reserva,
o seu remorso é tal
que sempre se
conserva algum tique ou recalque.
Sem sujeito e
cabresto, sem história, sem pecha,
o etc. do texto tem
sua própria brecha.
Na sedução do risco
há delírios, há febre,
há marcas de algo
arisco como pulo de lebre.
Mas só na barra está o
avesso delirante:
lá canta o sabiá com
seu significante.
Pela palavra do Outro
o espírito da letra
se transforma no
potro sem falo que penetra
qualquer fenda, de
lado, pela cárie do dente,
como um sílex afiado
num vão do inconsciente.
Belo é assim o branco
de tudo que te escreve,
o fragmento que
arranco do silêncio, de leve,
o sonho que te solta
de mim, quando perdido,
e no ermo da revolta
te dá forma e sentido.
Se é belo o que me
falta e me alimenta a gula
da coisa que te
exalta e nunca te articula,
é belo o que te
embala, o que sempre te mostra
na língua que te fala
ou te degusta em ostra.
E mais que tudo é
belo o que não vem à tona:
o fantasma e o
castelo, os limites da zona
que sempre te reprime
e te põe sempre à escuta
da luta do sublime,
mas sem sublime e luta.
Cascata
(Daniel F. Gerhartz:
pintor norte-americano)
Referência:
TELES, Gilberto Mendonça. O belo. In:
__________. Melhores poemas de Gilberto
Mendonça Teles. Introdução de Luiz Busatto. 4. ed. São Paulo, SP: Global,
2007. p. 169-170. (Coleção ‘Melhores Poemas’)
Nenhum comentário:
Postar um comentário