Se o poeta é um fingidor, como sustenta Pessoa, tem sentido o que o autor alagoano Jorge de Lima sugere, ao alertar-nos para que não procuremos
nexo naquilo que os vates pronunciam acordados.
Temos, então, fingimentos desconexos que, por mais paradoxais que sejam,
conformam a “fala de Deus” saída do peito daqueles renegados (e antenados!) seres, perpassados
pelas dores do mundo.
J.A.R. – H.C.
Jorge de Lima
(1893-1953)
Não procureis qualquer nexo naquilo
Não procureis
qualquer nexo naquilo
que os poetas
pronunciam acordados,
pois eles vivem no
âmbito intranquilo
em que se agitam
seres ignorados.
No meio de desertos
habitados
só eles é que
entendem o sigilo
dos que no mundo vivem
sem asilo
parecendo com eles
renegados.
Eles possuem, porém,
milhões de antenas
distribuídas por
todos os seus poros
aonde aportam do
mundo suas penas.
São os que gritam
quando tudo cala,
são os que vibram de
si estranhos coros
para a fala de Deus que
é sua fala.
Em: “Livro dos Sonetos” (1949)
Cruzando o Deserto
(Charles-Théodore
Frère: pintor francês)
Referência:
LIMA, Jorge de. Não procureis qualquer
nexo naquilo. In: __________. Antologia
poética. Seleção e posfácio de Fábio de Souza Andrade. São Paulo, SP: Cosac
Naify, 2014. p. 163.
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