Neste soneto de versos decassílabos, alguns rimados
outros não, Drummond detém-se sobre os limites da linguagem na Lírica, analisando
o que seja a poesia, ou bem melhor, o que ela não representa – “coxa, fúria,
cabala” –, simples vocábulos que conectam o objeto ao nome que lhe atribuímos. Por
extensão, nem o próprio belo seria poesia, segundo o poeta!
A
julgar pela construção negadora de negação do itabirano – “o que não é poesia
não tem fala” –, resta-nos a impressão de que, porventura, o poeta não esteja a
afirmar que somente o verbalizável constitui poesia, senão que aquilo que não a
encerra não tem o poder de reverberar, de ser presença tangível no mundo – ainda
que no seu mundo interno, dada a latente sugestão de que a verdadeira expressão
poética talvez não esteja nas palavras, mas no silêncio e na introspecção.
J.A.R. – H.C.
Carlos Drummond de Andrade
(1902-1987)
Retrato de Cândido
Portinari
Conclusão
Os impactos de amor
não são poesia
(tentaram ser:
aspiração noturna).
A memória infantil e
o outono pobre
vazam no verso de
nossa urna diurna.
Que é poesia, o belo?
Não é poesia,
e o que não é poesia
não tem fala.
Nem o mistério em si
nem velhos nomes
poesia são: coxa,
fúria, cabala.
Então, desanimamos.
Adeus, tudo!
A mala pronta, o
corpo desprendido,
resta a alegria de estar
só, e mudo.
De que se formam
nossos poemas? Onde?
Que sonho envenenado
lhes responde,
se o poeta é um ressentido,
e o mais são nuvens?
Em: “Fazendeiro do Ar & Poesia Até Agora”
(1953)
Leitora Pensativa
(Franz Dvorak: pintor
tcheco)
Referência:
ANDRADE, Carlos
Drummond. Conclusão. In: __________. Antologia
poética (organizada pelo autor). 48. ed. Prefácio de Marco Lucchesi. Rio de
Janeiro, RJ: Record, 2001. p. 254.
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Prezado Internauta,
ResponderExcluirJulgo importante assentar uma nota de esclarecimento nesta postagem que é, dentre as mais de 2,6 mil postagens deste blog, uma das 4 (seis) mais acessadas pelos leitores, numa ordem de quase 9 (nove) vezes em relação à média das demais.
Importante enfatizar que as outras 3 (três) postagens com elevado número de acesso são, todas elas, referentes a resenhas de 2 (duas) das mais importantes obras jurídicas comumente empregadas nos cursos regulares de Direito no país, a saber, “Teoria Geral do Direito”, do italiano Norberto Bobbio, e “Teoria Pura do Direito”, do austríaco Hans Kelsen.
Tal circunstância leva-me a crer que tão grande número de consultas a tais postagens se deva a prováveis discentes que, pretendendo abreviar o trabalho de ter que ler as obras por inteiro, preferem conhecê-las por meio de sumas de suas principais ideias.
Idem, para este poema de Drummond – se minha dedução estiver correta −, para obter uma “interpretação” de seus versos, talvez requisitada por seus mestres.
Daí porque o perigo de que um mesmo texto duplicado à postagem, por distintos discentes, venha a cair em mãos de um mesmo mestre, levando-o a impor as sanções que o contexto reclama.
Ademais, os rápidos comentos que aponho no início de cada postagem, majoritariamente de poemas, não comportam tudo o quanto se possa deles “extrair”, sobretudo em sua extensão semântica.
O melhor, portanto, é que os leitores busquem dar sentido aos versos dos poetas de modo autônomo, a partir de suas próprias experiências, para, desse modo, ganhar estatura mental.
Afinal, somente aquelas ideias derivadas de uma realidade “dura” poderão infringir a validade de uma interpretação: se o poeta vai com a natureza e afirma que uma maçã cai ao solo, não vá o leitor advogar que o fruto caiu do solo ao galho da árvore. E atente-se que a linguagem poética é plena de liberdades, por meio de seus múltiplos recursos, figuras, alusões: pode ser que a origem das inversões, a irem de encontro às situações fáticas do mundo real, esteja lavrada pelo próprio poeta em seus versos, o que demandaria ao leitor a necessária flexibilidade de raciocínio para ir ao alcance das ilações do autor.
Por fim, proponho ao internauta a leitura de duas obras seminais de autoria do italiano Umberto Eco, um mestre da semiótica: “Obra Aberta” e “Interpretação e Superinterpretação”, esta em diálogo com o filósofo norte-americano Richard Rorty.
Um abraço,
João A. Rodrigues