Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 29 de julho de 2016

Carlos Drummond de Andrade - Conclusão

Neste soneto de versos decassílabos, alguns rimados outros não, Drummond detém-se sobre os limites da linguagem na Lírica, analisando o que seja a poesia, ou bem melhor, o que ela não representa – “coxa, fúria, cabala” –, simples vocábulos que conectam o objeto ao nome que lhe atribuímos. Por extensão, nem o próprio belo seria poesia, segundo o poeta!

 

A julgar pela construção negadora de negação do itabirano – “o que não é poesia não tem fala” –, resta-nos a impressão de que, porventura, o poeta não esteja a afirmar que somente o verbalizável constitui poesia, senão que aquilo que não a encerra não tem o poder de reverberar, de ser presença tangível no mundo – ainda que no seu mundo interno, dada a latente sugestão de que a verdadeira expressão poética talvez não esteja nas palavras, mas no silêncio e na introspecção.

 

J.A.R. – H.C.

 

Carlos Drummond de Andrade

(1902-1987)

Retrato de Cândido Portinari

 

Conclusão

 

Os impactos de amor não são poesia

(tentaram ser: aspiração noturna).

A memória infantil e o outono pobre

vazam no verso de nossa urna diurna.

 

Que é poesia, o belo? Não é poesia,

e o que não é poesia não tem fala.

Nem o mistério em si nem velhos nomes

poesia são: coxa, fúria, cabala.

 

Então, desanimamos. Adeus, tudo!

A mala pronta, o corpo desprendido,

resta a alegria de estar só, e mudo.

 

De que se formam nossos poemas? Onde?

Que sonho envenenado lhes responde,

se o poeta é um ressentido, e o mais são nuvens?

 

Em: “Fazendeiro do Ar & Poesia Até Agora” (1953)

 

Leitora Pensativa

(Franz Dvorak: pintor tcheco)

 

Referência:

 

ANDRADE, Carlos Drummond. Conclusão. In: __________. Antologia poética (organizada pelo autor). 48. ed. Prefácio de Marco Lucchesi. Rio de Janeiro, RJ: Record, 2001. p. 254.

Um comentário:

  1. Prezado Internauta,

    Julgo importante assentar uma nota de esclarecimento nesta postagem que é, dentre as mais de 2,6 mil postagens deste blog, uma das 4 (seis) mais acessadas pelos leitores, numa ordem de quase 9 (nove) vezes em relação à média das demais.

    Importante enfatizar que as outras 3 (três) postagens com elevado número de acesso são, todas elas, referentes a resenhas de 2 (duas) das mais importantes obras jurídicas comumente empregadas nos cursos regulares de Direito no país, a saber, “Teoria Geral do Direito”, do italiano Norberto Bobbio, e “Teoria Pura do Direito”, do austríaco Hans Kelsen.

    Tal circunstância leva-me a crer que tão grande número de consultas a tais postagens se deva a prováveis discentes que, pretendendo abreviar o trabalho de ter que ler as obras por inteiro, preferem conhecê-las por meio de sumas de suas principais ideias.

    Idem, para este poema de Drummond – se minha dedução estiver correta −, para obter uma “interpretação” de seus versos, talvez requisitada por seus mestres.

    Daí porque o perigo de que um mesmo texto duplicado à postagem, por distintos discentes, venha a cair em mãos de um mesmo mestre, levando-o a impor as sanções que o contexto reclama.

    Ademais, os rápidos comentos que aponho no início de cada postagem, majoritariamente de poemas, não comportam tudo o quanto se possa deles “extrair”, sobretudo em sua extensão semântica.

    O melhor, portanto, é que os leitores busquem dar sentido aos versos dos poetas de modo autônomo, a partir de suas próprias experiências, para, desse modo, ganhar estatura mental.

    Afinal, somente aquelas ideias derivadas de uma realidade “dura” poderão infringir a validade de uma interpretação: se o poeta vai com a natureza e afirma que uma maçã cai ao solo, não vá o leitor advogar que o fruto caiu do solo ao galho da árvore. E atente-se que a linguagem poética é plena de liberdades, por meio de seus múltiplos recursos, figuras, alusões: pode ser que a origem das inversões, a irem de encontro às situações fáticas do mundo real, esteja lavrada pelo próprio poeta em seus versos, o que demandaria ao leitor a necessária flexibilidade de raciocínio para ir ao alcance das ilações do autor.

    Por fim, proponho ao internauta a leitura de duas obras seminais de autoria do italiano Umberto Eco, um mestre da semiótica: “Obra Aberta” e “Interpretação e Superinterpretação”, esta em diálogo com o filósofo norte-americano Richard Rorty.

    Um abraço,

    João A. Rodrigues

    ResponderExcluir