Ao passar por uma releitura de um dos mais famosos livros de Jung – “Memórias,
Sonhos e Reflexões” –, encontrei mais algumas pérolas do pensamento sempre
muito bem trabalhado do psicanalista suíço. Eis que ora as trago, para
compartilhar com os leitores deste bloguinho.
J.A.R. – H.C.
Carl Gustav Jung
(1875-1961)
Tanto nossa alma como
nosso corpo são compostos de elementos que já existiam na linhagem dos
antepassados. O “novo” na alma individual é uma recombinação, variável ao
infinito, de componentes extremamente antigos. Nosso corpo e nossa alma têm um
caráter eminentemente histórico e não encontram no “realmente-novo-que-acaba-de-aparecer”
lugar conveniente, isto é, os traços ancestrais só se encontram parcialmente
realizados. Estamos longe de ter liquidado a Idade Média, a Antiguidade, o
primitivismo e de ter respondido às exigências de nossa psique a respeito
deles. Entrementes, somos lançados num jato de progresso que nos empurra para o
futuro, com uma violência tanto mais selvagem quanto mais nos arranca de nossas
raízes. Entretanto, se o antigo irrompe, é frequentemente anulado e é
impossível deter o movimento para a frente. Mas é precisamente a perda de relação
com o passado, a perda das raízes, que cria um tal “mal-estar na civilização”,
a pressa que nos faz viver mais no futuro, com suas promessas quiméricas de
idade de ouro, do que no presente, que o futuro da evolução histórica ainda não
atingiu. Precipitamo-nos desenfreadamente para o novo, impelidos por um
sentimento crescente de mal-estar, de descontentamento, de agitação. Não
vivemos mais do que possuímos, porém de promessas; não vemos mais a luz do dia
presente, porém perscrutamos a sombra do futuro, esperando a verdadeira
alvorada. Não queremos compreender que o melhor é sempre compensado pelo pior.
A esperança de uma liberdade maior é anulada pela escravidão do Estado, sem
falar dos terríveis perigos aos quais no expõem as brilhantes descobertas da
ciência. Quanto menos compreendemos o que nossos pais e avós procuraram, tanto
menos compreendemos a nós mesmos, e contribuímos com todas as nossas forças para
arrancar o indivíduo de seus instintos e de suas raízes: transformando em
partícula da massa, obedecendo somente ao que Nietzsche chamava o espírito da
gravidade (JUNG, 1984, p. 210).
O homem é indispensável
à perfeição da criação e [...] mais, é o segundo criador do mundo; é o homem
que dá ao mundo, pela primeira vez, a capacidade de ser objetivo – sem poder
ser ouvido, devorando silenciosamente, gerando, morrendo, abanando a cabeça
através de centenas de milhões de anos, o mundo se desenrolaria na noite mais
profunda do não-ser, para atingir um fim indeterminado. A consciência humana
foi a primeira criadora da existência objetiva e do significado: foi assim que
o homem encontrou seu lugar indispensável no grande processo do ser (JUNG,
1984, p. 226).
Referência:
JUNG, C. G. Memórias, sonhos e reflexões. Reunidas e editadas por Aniela Jaffé.
Tradução de Dora Ferreira da Silva. 6. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1984.
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