Como sempre, num poema que pouco tem de tradicional – afinal, ouro,
incenso e mirra sequer aparecem em seus versos −, “Journey of the Magi” (“A
Viagem dos Magos”), de T. S. Eliot, é muito mais que uma longa e árdua jornada
contra os contratempos da natureza e hostilidades humanas, mas reminiscência de
um nascimento que também é morte, pois, com a Natividade, se novas crenças apareceram,
outras tantas pereceram.
Trata-se de um monólogo que explicita as lembranças de um dos Reis Magos:
para ele, tudo aquilo em que acreditava, como a magia e o paganismo, restou
varrido pela visão de “três árvores recortadas contra o céu baixo”, um nítido
referente à cena do calvário, com as suas três cruzes. Daí porque afirma o
desolado Mago: “Nascimento e morte contemplei. Amarga e áspera agonia, como a
Morte, nossa morte”.
J.A.R. – H.C.
Adoração dos Magos
(Georges Lallemand:
1575-1636)
Journey of the
Magi
“A cold coming we had of it,
Just the worst time of the year
For a journey, and such a long journey:
The ways deep and the weather sharp,
The very dead of winter”.
And the camels galled, sore-footed, refractory,
Lying down in the melting snow.
There were times we
regretted
The summer palaces on slopes, the terraces,
And the silken girls bringing sherbet.
Then the camel men cursing and grumbling
And running away, and wanting their liquor and
women,
And the night-fires going out, and the lack of
shelters,
And the cities hostile and the towns unfriendly
And the villages dirty and charging high prices:
A hard time we had of it.
At the end we preferred to travel all night,
Sleeping in snatches,
With the voices singing in our ears, saying
That this was all folly.
Then at dawn we came down to a temperate valley,
Wet, below the snow line, smelling of vegetation,
With a running stream and a water-mill beating the
darkness,
And three trees on the low sky.
And an old white horse galloped away in the meadow.
Then we came to a tavern with vine-leaves over the
lintel,
Six hands at an open door dicing for pieces of
silver,
And feet kicking the empty wine-skins.
But there was no information, so we continued
And arrived at evening, not a moment too soon
Finding the place; it was (you may say)
satisfactory.
All this was a long time ago, I remember,
And I would do it again, but set down
This set down
This: were we led all that way for
Birth or Death? There was a Birth, certainly,
We had evidence and no doubt. I had seen birth and
death,
But had thought they were different; this Birth was
Hard and bitter agony for us, like Death, our
death.
We returned to our places, these Kingdoms,
But no longer at ease here, in the old
dispensation,
With an alien people clutching their gods.
I should be glad of another death.
A Jornada dos Magos
(James Tissot: 1836-1902)
A Viagem dos Magos
“Foi um frio que nos colheu
Na pior quadra do ano
Para uma viagem, e
longa era a viagem:
Os caminhos
enlameados e o tempo adverso
Em pleno coração do
inverno”.
E os camelos
escoriados, o casco em chagas, indóceis,
Jaziam em meio à neve
derretida.
Foram momentos em que recordamos
Os palácios estivais
sobre os penhascos, os terraços,
As sedosas meninas que
nos traziam afrodisíacos.
E depois os
cameleiros que imprecavam e maldiziam
E desertavam, e
exigiam fêmeas e aguardente.
E os fogos da noite
em bruxuleio, a falta de apriscos,
As cidades hostis, as
vilas inóspitas,
As aldeias sujas e
tudo a preços absurdos.
Foi uma rude quadra
para nós.
Ao fim preferimos
viajar à noite,
Dormindo entre uma e
outra vigília,
Com vozes que
cantavam em nosso ouvido, dizendo
Que tudo aquilo era
loucura.
E eis que alcançamos pela aurora um vale ameno,
Úmido, sob a linha da
neve, impregnado de aromas silvestres,
Com o regato e um
moinho a fustigar as trevas,
E três árvores
recortadas contra o céu baixo,
E um velho cavalo
branco a galope pelo prado.
E chegamos depois a
uma taverna com parras sobre as vigas;
Seis mãos se viam pela
porta entreaberta
A disputar peças de
prata com seus dados,
E pés que golpeavam
os odres já vazios.
Mas nenhuma
informação nos deram, e então seguimos
Para chegarmos ao
crepúsculo, sequer um instante antes,
E encontrarmos o
lugar; foi (podeis dizer) satisfatório.
Tudo isso há muito
tempo se passou, recordo,
E outra vez o farei,
mas considerai
Isto considerai
Isto: percorremos
toda aquela estrada
Rumo ao Nascimento ou
à Morte? Um nascimento, é certo,
Tínhamos prova, não
dúvidas. Nascimento e morte contemplei,
Mas os pensara
diferentes; tal Nascimento era, para nós,
Amarga e áspera
agonia, como a Morte, nossa morte.
Regressamos às nossas
plagas, estes Reinos,
Porém aqui não mais à
vontade, na antiga ordem divina,
Onde um povo estranho
se agarra aos próprios deuses.
Uma outra morte me
será bem-vinda.
Referência:
ELIOT, T. S. Journey of the magi / A viagem dos magos. In: __________. Poesia: Poemas de Ariel Tradução, introdução e notas de Ivan
Junqueira. Vol I. Edição bilíngue. São Paulo: Arx, 2004. p. 210-213.
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