Conhecemos por demais o famoso poema de Pessoa sobre o poeta (Autopsicografia):
um fingidor, “(...) finge tão completamente / que chega a fingir que é dor / a dor
que deveras sente”.
Como Pessoa, o poeta norte-americano E. E. Cummings também buscou
caracterizar o poeta em um de seus poemas: ele é um deus, porque tem o dom de
criar mundos pelo poder da palavra. Assim como no Gênesis, uma ordem como “Faça-se
a luz” equivaleria a “Faça-se o verso”!
Mas ele é mais do que isso: “covarde, palhaço, traidor, idiota,
sonhador, fera”. Um ser humano que se autodeprecia por puro fingimento. Quem não
haveria de perceber que em seu peito repousam “todos os sonhos do mundo”?!
J.A.R. – H.C.
Edward Estlin Cummings
(1894-1962)
xxii. no man, if
men are gods
no man, if men are gods; but if gods must
be men, the sometimes only man is this
(most common, for each anguish is his grief;
and, for his joy is more than joy, most rare)
a fiend, if fiends speak truth; if angels burn
by their own generous completely light,
an angel; or (as various worlds he'll spurn
rather than fail immeasurable fate)
coward, clown, traitor, idiot, dreamer, beast –
such was a poet and shall be and is
– who’ll solve the depths of horror to defend
a sunbeam’s architecture with his life:
and carve immortal jungles of despair
to hold a mountain’s heartbeat in his hand
O Poeta
Egon Schiele: pintor
austríaco
(1890-1918)
xxii. homem não, se os homens são
deuses
homem não, se os
homens são deuses; mas se os deuses devem
ser homens, por vezes
é este o único homem
(o mais comum, para
cada angústia é a sua dor;
e o mais raro, sua
alegria é mais do que prazer)
um demônio, se os
demônios dizem a verdade; se os anjos ardem
plenamente por sua
própria e generosa luz,
um anjo; ou (uma vez que
muitos mundos ele recusaria
a ter que falhar com
o seu incomensurável destino)
covarde, palhaço,
traidor, idiota, sonhador, fera –
assim foi e será e é
o poeta
– aquele que deslindará
os abismos do horror para defender
a arquitetura de um
raio de sol com a sua vida:
e esculpe selvas infindáveis
de desalento
para segurar a
pulsação de uma montanha em sua mão
Referência:
CUMMINGS, E. E. no man, if men are gods. In: __________. Complete poems: 1904-1962. 1 X 1 [One Times One]. Edited by George
J. Firmage. New York (US): Liveright Publishing Corporation, 1991. p. 562.
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