Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Paulo Leminski - Caprichos e Relaxos

Vamos aqui a uma ‘overdose’ de poemas, extraídos da coletânea “Caprichos e Relaxos”, a consolidar, de fato, alguns dos melhores livros de poesia do conhecidíssimo poeta curitibano Paulo Leminski.

Assim como muitos de seus fãs, aprecio a poesia de Leminski pelo poder de concentração que ela expressa: em poucos e curtos versos, o poeta é capaz de transmitir uma mensagem com graça e propósito.

É como se ele não tivesse capacidade pulmonar e resistência para suportar uma prova de fundo, 5 mil metros, por exemplo. E por isso, concentrava todo o seu fôlego para os 100 metros rasos, para obter vitórias arrasadoras no domínio do humor e dos amálgamas verbais.

J.A.R. – H.C.

Sobre o autor e sua obra

Descendente de poloneses e negros, Paulo Leminski Filho nasceu em Curitiba, Paraná, no dia 24 de agosto de 1944. Ex-professor de história e de redação em cursos pré-vestibulares, sua atividade profissional concentra-se na criação e redação publicitárias, em sua cidade natal.

Seus primeiros poemas foram publicados na revista “Invenção”, em 1964, então porta-voz da poesia concreta paulista. Depois disso, muitos volumes de sua autoria vieram à luz, entre os quais se destacam os romances “Catatau” (1975) e “Guerra dentro da gente” (1987); os ensaios intitulados “Anseios crípticos” (1986) e os livros de poesia: “Quarenta clics” (1976), “Não fosse isso e era menos / Não fosse tanto e era quase” (1980), “Polonaises” (1980), “Caprichos e relaxos” (1983), “Haitropikai” (1985) e “Distraídos venceremos” (1987).

Destaca-se também como compositor, tendo criado várias letras e músicas, sozinho ou em parceria com Morais Moreira, Guilherme Arantes e Ivo Júnior e Itamar Assunção.

Caetano Veloso, um dos intérpretes das composições de Leminski, assim se expressou sobre “Caprichos e relaxos”: “Esse livro de poemas é uma maravilha, porque os poemas de Leminski são muito sintéticos, muito concisos, muito rápidos, muito inspirados. Ele é um sujeito gozado. É um personagem muito único, no panorama da curtição de literatura no Brasil. Eu acho um barato. Leminski tem um clima mistura de concretismo com beatnik. Que é muito legal” (LEMINSKI, 1991, p. 153-154).

Paulo Leminski
(1944-1989)
contranarciso

em mim
eu vejo o outro
e outro
e outro
enfim dezenas
trens passando
vagões cheios de gente
centenas

o outro
que há em mim
é você
você
e você

assim como
eu estou em você
eu estou nele
em nós
e só quando
estamos em nós
estamos em paz
mesmo que estejamos a sós

(LEMINSKI, 1991, p. 10)(*)
eu
quando olho nos olhos
sei quando uma pessoa
está por dentro
ou está por fora

quem está por fora
não segura
um olhar que demora

de dentro de meu centro
este poema me olha

(LEMINSKI, 1991, p. 13)(*)
não creio
que fosse maior
a dor de dante
que a dor
que este dente
de agora em diante
sente

não creio
que joyce
visse mais numa palavra
mais do que fosse
que nesta pasárgada
ora foi-se

tampouco creio
que mallarmé
visse mais
que esse olho
nesse espelho
agora
nunca
me vê

(LEMINSKI, 1991, p. 26)(*)
quatro dias sem te ver
e não mudaste nada

falta açúcar na limonada

me perdi da minha morada

nadei nadei e não dei em nada

sempre o mesmo poeta de bosta
perdendo tempo com a humanidade

(LEMINSKI, 1991, p. 29)(*)
Quando eu tiver setenta anos
então vai acabar esta adolescência

vou largar da vida louca
e terminar minha livre docência

vou fazer o que meu pai quer
começar a vida com passo perfeito

vou fazer o que minha mãe deseja
aproveitar as oportunidades
de virar um pilar da sociedade
e terminar meu curso de direito

então ver tudo em sã consciência
quando acabar esta adolescência

(LEMINSKI, 1991, p. 33)(*)
um deus também é o vento
só se vê nos seus efeitos
árvores em pânico
bandeiras
água trêmula
navios a zarpar

me ensina
a sofrer sem ser visto
a gozar em silêncio
o meu próprio passar
nunca duas vezes
no mesmo lugar

a este deus
que levanta a poeira dos caminhos
os levando a voar
consagro este suspiro

nele cresça
até virar vendaval

(LEMINSKI, 1991, p. 47)(**)
um dia
a gente ia ser homero
a obra nada menos que uma ilíada

depois
a barra pesando
dava pra ser aí um rimbaud
um ungaretti um fernando pessoa qualquer
um lorca um éluard um ginsberg

por fim
acabamos o pequeno poeta de província
que sempre fomos
por trás de tantas máscaras
que o tempo tratou como a flores

(LEMINSKI, 1991, p. 49)(**)
eu queria tanto
ser um poeta maldito
a massa sofrendo
enquanto eu profundo medito

eu queria tanto
ser um poeta social
rosto queimado
pelo hálito das multidões

em vez
olha eu aqui
pondo sal
nesta sopa rala
que mal vai dar para dois

(LEMINSKI, 1991, p. 70)(***)
Amor, então,
também, acaba?
Não, que eu saiba.
O que eu sei
é que se transforma
numa matéria-prima
que a vida se encarrega
de transformar em raiva.
Ou em rima.

(LEMINSKI, 1991, p. 87)(***)
Notas:

(*).    Recolhido de “Caprichos e Relaxos”;
(**).  Recolhido de “Polonaises”;
(***). Recolhido de “Não fosse isso e era menos / Não fosse tanto e era quase”.

Referência:

LEMINSKI, Paulo. Caprichos e relaxos. 5. ed. São Paulo: Círculo do Livro, 1991. (Licença editorial por cortesia da Editora Brasiliense S.A., mediante acordo com o autor).

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