Vamos aqui a uma ‘overdose’ de poemas, extraídos da coletânea “Caprichos
e Relaxos”, a consolidar, de fato, alguns dos melhores livros de poesia do
conhecidíssimo poeta curitibano Paulo Leminski.
Assim como muitos de seus fãs, aprecio a poesia de Leminski pelo poder
de concentração que ela expressa: em poucos e curtos versos, o poeta é capaz de
transmitir uma mensagem com graça e propósito.
É como se ele não tivesse capacidade pulmonar e resistência para
suportar uma prova de fundo, 5 mil metros, por exemplo. E por isso, concentrava
todo o seu fôlego para os 100 metros rasos, para obter vitórias arrasadoras no
domínio do humor e dos amálgamas verbais.
J.A.R. – H.C.
Sobre o autor e sua obra
Descendente de
poloneses e negros, Paulo Leminski Filho nasceu em Curitiba, Paraná, no dia 24 de
agosto de 1944. Ex-professor de história e de redação em cursos
pré-vestibulares, sua atividade profissional concentra-se na criação e redação
publicitárias, em sua cidade natal.
Seus primeiros poemas
foram publicados na revista “Invenção”, em 1964, então porta-voz da poesia
concreta paulista. Depois disso, muitos volumes de sua autoria vieram à luz,
entre os quais se destacam os romances “Catatau” (1975) e “Guerra dentro da
gente” (1987); os ensaios intitulados “Anseios crípticos” (1986) e os livros de
poesia: “Quarenta clics” (1976), “Não fosse isso e era menos / Não fosse tanto
e era quase” (1980), “Polonaises” (1980), “Caprichos e relaxos” (1983), “Haitropikai”
(1985) e “Distraídos venceremos” (1987).
Destaca-se também
como compositor, tendo criado várias letras e músicas, sozinho ou em parceria com
Morais Moreira, Guilherme Arantes e Ivo Júnior e Itamar Assunção.
Caetano Veloso, um
dos intérpretes das composições de Leminski, assim se expressou sobre “Caprichos
e relaxos”: “Esse livro de poemas é uma maravilha, porque os poemas de Leminski
são muito sintéticos, muito concisos, muito rápidos, muito inspirados. Ele é um
sujeito gozado. É um personagem muito único, no panorama da curtição de
literatura no Brasil. Eu acho um barato. Leminski tem um clima mistura de
concretismo com beatnik. Que é muito
legal” (LEMINSKI, 1991, p. 153-154).
Paulo Leminski
(1944-1989)
❁
contranarciso
em mim
eu vejo o outro
e outro
e outro
enfim dezenas
trens passando
vagões cheios de
gente
centenas
o outro
que há em mim
é você
você
e você
assim como
eu estou em você
eu estou nele
em nós
e só quando
estamos em nós
estamos em paz
mesmo que estejamos a
sós
(LEMINSKI, 1991, p. 10)(*)
❁
eu
quando olho nos olhos
sei quando uma pessoa
está por dentro
ou está por fora
quem está por fora
não segura
um olhar que demora
de dentro de meu
centro
este poema me olha
(LEMINSKI, 1991, p. 13)(*)
❁
não creio
que fosse maior
a dor de dante
que a dor
que este dente
de agora em diante
sente
não creio
que joyce
visse mais numa
palavra
mais do que fosse
que nesta pasárgada
ora foi-se
tampouco creio
que mallarmé
visse mais
que esse olho
nesse espelho
agora
nunca
me vê
(LEMINSKI, 1991, p. 26)(*)
❁
quatro dias sem te
ver
e não mudaste nada
falta açúcar na
limonada
me perdi da minha
morada
nadei nadei e não dei
em nada
sempre o mesmo poeta
de bosta
perdendo tempo com a
humanidade
(LEMINSKI, 1991, p. 29)(*)
❁
Quando eu tiver setenta
anos
então vai acabar esta
adolescência
vou largar da vida
louca
e terminar minha
livre docência
vou fazer o que meu
pai quer
começar a vida com
passo perfeito
vou fazer o que minha
mãe deseja
aproveitar as
oportunidades
de virar um pilar da
sociedade
e terminar meu curso
de direito
então ver tudo em sã
consciência
quando acabar esta
adolescência
(LEMINSKI, 1991, p. 33)(*)
❁
um deus também é o
vento
só se vê nos seus
efeitos
árvores em pânico
bandeiras
água trêmula
navios a zarpar
me ensina
a sofrer sem ser
visto
a gozar em silêncio
o meu próprio passar
nunca duas vezes
no mesmo lugar
a este deus
que levanta a poeira
dos caminhos
os levando a voar
consagro este suspiro
nele cresça
até virar vendaval
(LEMINSKI, 1991, p. 47)(**)
❁
um dia
a gente ia ser homero
a obra nada menos que
uma ilíada
depois
a barra pesando
dava pra ser aí um
rimbaud
um ungaretti um
fernando pessoa qualquer
um lorca um éluard um
ginsberg
por fim
acabamos o pequeno
poeta de província
que sempre fomos
por trás de tantas
máscaras
que o tempo tratou
como a flores
(LEMINSKI, 1991, p. 49)(**)
❁
eu queria tanto
ser um poeta maldito
a massa sofrendo
enquanto eu profundo
medito
eu queria tanto
ser um poeta social
rosto queimado
pelo hálito das
multidões
em vez
olha eu aqui
pondo sal
nesta sopa rala
que mal vai dar para
dois
(LEMINSKI, 1991, p. 70)(***)
❁
Amor, então,
também, acaba?
Não, que eu saiba.
O que eu sei
é que se transforma
numa matéria-prima
que a vida se
encarrega
de transformar em
raiva.
Ou em rima.
(LEMINSKI, 1991, p. 87)(***)
❁
Notas:
(*). Recolhido de “Caprichos e
Relaxos”;
(**). Recolhido de “Polonaises”;
(***). Recolhido de “Não fosse isso
e era menos / Não fosse tanto e era quase”.
Referência:
LEMINSKI, Paulo. Caprichos e relaxos. 5. ed. São Paulo: Círculo do Livro, 1991. (Licença
editorial por cortesia da Editora Brasiliense S.A., mediante acordo com o
autor).
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