Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Luz Méndez de la Vega - Ser ou Ter

Num mundo em que os valores parecem ter saído dos trilhos, ter e possuir coisas passou a veicular maior poder intrínseco do que ser alguém mais cultivado, por exemplo.

Diga a um amigo para descrever-se e, muito provavelmente, o que há de ser externado será um rol de coisas materiais que o interlocutor detém. O possuir algo, como um automóvel ou uma mansão, quase manifesta identidade ontológica com o seu detentor.

Esse tema não é novo, obviamente, no universo das ideias: para alguém com os olhos já meio cansados pelo fluir das primaveras, certamente terá lido ou pelo menos compulsado obras como “Ter ou Ser?”, do psicanalista judeu-alemão Erich Fromm.

Tal é também o título do expressivo poema da poetisa guatemalteca Luz Méndez de la Veja, que já esteve nestas paragens, com uma poesia intitulada “O Gato Negro”. Note-se no poema ora postado a apreensão da mecânica do corpo, como se um relógio de cordas fosse: temos que alimentá-lo para que execute suas atribuições a contento. Uma abordagem bem funcionalista: “é isto um homem?”, diria Primo Levi.

J.A.R. – H.C.

Luz Méndez de la Vega
(1919-2012)

Ser o Tener

Pienso.
Respiro.
Me muevo.
Como.
Defeco
y duermo.
Hago el arnor
(lease fornico).
Insulto.
Sonrío.
A veces lIoro
o doy un suspiro.

Conduzco mi automóvi1.
Subo y bajo
el ascensor de mi piso.
Trabajo.
El cartero me Irae
correspondencia
con mi nombre y apellidos.
Firmo cheques.
Me compro un pantalón
o un vestido.
Voy al cine o al teatro.
Bailo y río.

Doy conferencias.
Escribo.
De cuando en cuando
sale mi retrato
en las hojas de los diarios.
Hablo y me responden.
Me insultan.
¡Hasta me tratan con respeto!
y me adjetivan
un titulo universitario
o artistico.

Pero... yo,
¿soy yo?
o tengo simplemente cosas
como este nombre y apellidos
y este cuerpo
que día a día
hago saltar de la cama
– a las ocho en punto –
lavo,
perfumo,
visto
y
Ie doy cuerda...

Pintor na Estrada para Tarascon
(Vincent van Gogh: 1853-1890)

Ser ou Ter

Penso.
Respiro.
Me movo.
Como.
Defeco
e durmo.
Faço o amor
(leia-se fornico).
Insulto.
Sorrio.
Às vezes choro
ou dou um suspiro.

Conduzo meu automóvel.
Subo e desço
o elevador do meu apartamento.
Trabalho.
O carteiro me traz
correspondência
com meu nome e sobrenomes.
Firmo cheques.
Me compro uma calça comprida
ou um vestido.
Vou ao cinema ou ao teatro.
Danço e rio.

Dou conferências.
Escrevo.
De quando em quando
sai o meu retrato
nas folhas dos jornais.
Falo e me respondem.
Me insultam.
Até me tratam com respeito!
e me atribuem
um diploma universitário
ou artístico.

Porém... eu,
sou eu?
ou tenho simplesmente coisas
como este nome e sobrenomes
e este corpo
que dia a dia
faço saltar da cama
– às oito em ponto –
lavo,
perfumo,
visto
e
lhe dou corda... 

To Have or To Be?
(Erich Fromm)

Referência:

DE LA VEJA, Luz Méndez. Ser o tener. In: TOLEDO, Aida; ACEVEDO, Anabella (Selección y Notas). Para conjurar el sueño: poetas guatemaltecas del siglo XX. Guatemala (GT): Universidad Rafael Landívar, 1998. Abrapalabra 30. p. 23-24.

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