Numa delas, o soneto a seguir transcrito, nota-se, por demais evidente,
a influência de Camões sobre o seu incógnito autor, seja pelo tema – o amor,
que nesta postagem, fizemos
menção em cotejo a um outro soneto de Francisco de Quevedo –, seja pelo padrão linguístico
similar ao do vate-mor de além-mar.
É por demais espirituoso, consigne-se, o modo como o soneto em apreço é
encerrado: depois de treze tentativas anteriores de definição de seu precioso
objeto, o poeta o arremata simplesmente a afirmar que o amor tem muito de
substância que lhe parece incompreensível.
Aliás, isso é o que muito raramente deixa de ocorrer a cada vez que
pretendemos dar inteligibilidade a sentimentos: as palavras quase nunca
conseguem monitorar todo o espectro do que vai no interno humano. Fazer o quê?!
J.A.R. – H.C.
O Beijo
(Gustav Klimt: 1862-1918)
Definição de Amor
É um nada amor, que pode
tudo;
É um não se entender
o avisado;
É um querer ser
livre, e estar atado,
É um julgar o parvo
por sisudo.
É um reparar os golpes sem
escudo;
É um cuidar que é, e
estar trocado;
É um viver alegre, e
enfadado;
E não poder falar, e
não ser mudo.
É um engano claro, e mui
escuro;
É um não enxergar, e
estar vendo;
É um julgar por
brando ao mais duro.
É um não querer dizer, e
estar dizendo;
É um no mor perigo
estar seguro;
É por fim um não sei
que, que não entendo.
No Jardim
(Pierre A. Renoir:
1841-1919)
Referência:
ANÔNIMO. Definição de amor. In: TORRES,
Alexandre Pinheiro (introdução, selecção e notas). Antologia da poesia portuguesa (Séc. XII-Séc. XX). Volume II (Sécs.
XVII-XX). Porto (PT): Lello&Irmão, 1977. p. 146.
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