Eis aqui mais um poema que busca reatar as conexões entre presente,
passado e futuro, neste caso, por meio da literatura. A poesia, de 1599,
extraída da obra “Musophilus”, do poeta e historiador inglês Samuel Daniel, destaca-se
pela premissa de que a literatura – ou as literaturas – teriam o poder de fazer
a história humana ganhar vida, mesmo que muitos dos eventos que narra ou
descreve representem lídimas metáforas.
Daniel não faz maiores distinções entre mortos e vivos, pois as “abençoadas
literaturas” deteriam a capacidade de partilhar todas as eras numa só: os
mortos falam aos vivos pelo legado escrito que deixaram; aqueles ainda por vir
receberão de nós o que formos aptos a criar. E com isso o presente flui como
uma dádiva perpétua.
Para o autor, o Conhecimento – e ele o grafa assim, com “C” maiúsculo! –
é a alma do mundo e, sem ele, nada há que seja efetivamente glorioso sobre a
Terra. Afinal, do que se orgulhar se tudo o que há vier a cair no mais abjeto
descuido?
J.A.R. – H.C.
Samuel Daniel
(1562-1619)
Daniel, poeta da corte de Elizabeth I e
de James I, escreveu numa variedade de gêneros, de uma sequência de sonetos
(Delia, 1592) ao épico (The Civil Wars, 1595-1609). Entre os seus admiradores
estavam Lamb, Wordsworth e Coleridge (HOPKINS, 2005, p. 22).
O blessed
letters
O blessed letters, that combine in one
All ages past, and make one live with all;
By you we do confer with who are gone,
And the dead-living unto counsel call;
By you the unborn shall have communion
Of what we feel, and what doth us befall.
Soul of the world, Knowledge, without thee,
What hath the earth that truly glorious is?
Why should our pride make such a stir to be,
To be forgot? What good is like to this,
To do worthy the writing, and to write
Worthy the reading, and the world’s delight?
A Jovem Leitora
(Pierre A. Renoir:
1841-1919)
Ó abençoadas literaturas
Ó abençoadas
literaturas, que combinais numa só
Todas as eras
passadas, permitindo-nos viver com todas;
Por meio de vós dialogamos
com quem já se foi,
E os mortos-vivos até
um conselho convocam;
Por meio de vós os
nascituros entrarão em comunhão
Com o que sentimos, e
o que por fortuna nos acontece.
Alma do mundo, Conhecimento,
sem vós,
O que há na terra que
seja verdadeiramente glorioso?
Por que deveria o
nosso orgulho mais parecer um frenesi,
Para ser olvidado? O
aprazível é isto em suma,
Enobrecer a escrita, tornando-a
Digna de leitura, e o
deleite do mundo?
Referência:
DANIEL, Samuel. O blessed letters. In: HOPKINS. David (Ed.). The routledge anthology of poets on poets:
poetic responses to english poetry from Chaucer to Yeats. London (EN): Routledge,
2005. p. 22.
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